domingo, 15 de dezembro de 2019

PARTIDA

A esposa nunca quisera ficar na roça. Viera a contragosto, trazida na garupa da mula, chorando abraçada às suas costas . Ele sabia da estima que ela lhe tinha. Não era amor o que sentia; antes, era somente gratidão por tê-la tirado das amarras dos pais.

Começaram a se olhar numa noite de festa, na casa de Odorico. Dançaram uma única vez e ele já estava apaixonado. Agora sabia, ela não o amava, mas tinha visto, àquela hora, a sua grande chance. Ele era trabalhador e tinha boa aparência; os pais não se oporiam a esta união.

Casaram-se em pouco tempo. Ele trabalhava numa carvoaria enorme e teria serviço para longo tempo; por isso, combinaram de morar junto dos fornos, num ranchinho mal acabado, com fogão de lenha e um velho jiral, onde dormiriam felizes, aconchegados. Enquanto isso, ele reuniria o dinheiro necessário e lhe daria um sítio, com cavalos e galinhas, uma casa enorme e a vida que ela sempre quisera.

Ela não tivera paciência e partira. Era uma madrugada de lua alta. Ele dormia e sonhava. E no seu sonho, ela era uma princesa, morava num palácio enorme e esperava pelo príncipe encantado. O cavalo branco parava de frente ao palácio; ela descia pelas escadas; montava na garupa e iam, ambos sorridentes, pela estrada , até sumirem no horizonte. Enquanto isso, ele olhava, todo sujo de carvão, com os olhos cheios de lágrimas.

Ela abriu a porta devagar. Montou no cavalo; abraçou-se ao seu amado e se foi. Ao longe, antes de virar a curva, ainda olharam para trás. No ranchinho, apenas o silêncio da madrugada e os sonhos. Ela sentia-se como se o tivesse traindo, mas o amor falava mais alto. E, por isso, sorria.

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