Salim organizava os relógios todos alinhados no balcão de vidro. Eram relógios de pulso dos mais variados estilos e preços: dourados, prateados, de plástico, de borracha e alguns que nem mesmo ele sabia de que materiais eram feitos.
Sobre as prateleiras ficavam os maiores; eram relógios de parede com vários retratos de santos, de famosos, de paisagens bonitas; relógios que mexiam o pêndulo de um lado para outro infinitamente, num eterno tic-tac, tic-tac, tic-tac.
As bancas, do lado de fora do balcão encostadas nas paredes deixando apenas um pequeno corredor que cabia uma pessoa de cada vez, mostravam cintos, brinquedos, bonés e algumas bugigangas de pouca ou nenhuma serventia.
A esposa de Salim passava o dia todo limpando o balcão, as prateleiras, as bancas, passando pano no chão, assoprando os relógios; enquanto ele regulava, um a um, todos os que estavam no balcão de vidro; depois passava aos da prateleira e fazia a mesma cerimônia; organizava as coisas nas bancas, para, em seguida, começar tudo de novo.
Às sete da manhã, respeitando os dias santos, o casal abria a pequena loja próximo à praça. Durante todo o dia, durante quase trinta anos, cumpriram a mesma rotina, até que, às dezoito horas, quando o sino da matriz tocava o Ângelos, abaixavam as portas e enfunavam num pequena casa na Baixa dos Guedes.
Depois de muitos anos, restaram apenas as lembranças de Salim e a esposa. Há muito, a pequena loja dera lugar a uma loja de celulares, capinhas e acessórios; enquanto a antiga casa do casal foi derrubada pela prefeitura, transformando-se num grande terreno baldio, ainda com a promessa de se tornar numa pracinha com academia de ginástica e um bonito Jardim.
Diariamente, às dezoito horas, o sino da igreja ainda toca o Ângelos, talvez à espera de que o casal volte e abaixe novamente as portas, que já não se abrem tão cerimoniosamente como antes.
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