terça-feira, 10 de dezembro de 2019

PEDRELINA (Um hiato no Romance)

Sentada sobre o fogão, Pedrelina limpava os dentes com o último naco de fumo, que passava nas cinzas que ela havia puxado com um pedaço de brasa. A vontade de tomar um trago era quase incontrolável, mas tinha prometido a Teodoro que não beberia durante a Quaresma, ainda mais depois da vergonha que tinha passado da última vez, quando assistiam ao jogo  no campo de Paulão e o marido teve que levá-la para casa deitada no jiral da carroça.

Teodoro também não estava bebendo e isso a fazia manter a promessa. Às vezes, quando ele estava na roça, limpando os matos ou matando as pragas do feijão, ela pensava em beber escondido; mas se tomasse um gole, já sabia, não conseguiria mais parar; por isso, o melhor era não cair na tentação.

O marido estava deitado, fumando o cigarro de palha, que tinha acabado de acender com a binga. No outro dia, teria que ir ao Pitinha; precisava comprar fumo, rapadura e querosene pra lamparina. Era pegar com Deus para que a chuva continuasse caindo, senão o feijão não vingaria e até isso teria que comprar na venda.

A luz da lamparina mexia de  um lado para outro, formando desenhos no branco da parede. Enquanto pensava, vestido apenas com um short Adidas que tinha comprado na Lapa, na única vez que tinham viajado de Pau de Arara numa viagem tão demorada (Foi mais de uma semana, dormindo na beira da estrada, comendo farofa, biscoito e tomando café ou pinga), Teodoro imaginava coisas.

As sombras formavam bichos, ferramentas de trabalho, mulheres bonitas, que ele imaginava saltando da parede e deitando ao seu lado. Depois se continha e prestava atenção para ver se Pedrelina estava vindo. Mulher valente da peste; se o pegasse pensando naquilo, daria logo um fim na sua história.

Alheia aos pensamentos do marido, Pedrelina cochilava sobre o fogão, com o fumo cheio de cinzas sujando os dentes. De repente, assustou-se com o crepitar  de uma brasa; levantou-se do fogão; deu uma cusparada para tirar o gosto da boca; pegou um copo d'água no pote; gargulejou e foi dormir. No caminho até o quarto, deu uma olhada nas crianças, que dormiam numa rede no chão da sala e pensou: se não fosse a cachaça, nada disso existiria.

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