quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

ANACLETO, A CHUVA E O GUARÁ


Para a felicidade dos catrumanos, a chuva tem dado o ar da sua graça novamente. É verdade que tem sido uma chuva mansa, ainda incapaz de fazer correr água pelos inúmeros córregos que se encontram em processo de extinção pelas bandas de cá. O Guará, por exemplo, faz menção de renascer, deixando escorrer pelos seus caminhos, mas, depois, como que cansado de fazer força, adormece novamente.

Ainda que seja em pouca quantidade, a chuva reaviva os sorrisos, que há tempos não apareciam por entre os lábios deste povo sofredor. Ontem mesmo estive em casa de Anacleto, vaqueiro velho, de muitas histórias e mãos calejadas. Sob os olhos arregalados de uma senhora que, emoldurada, enfeitava a parede da sala, tomamos café adoçado com rapadura, degustando um convidativo bolo de fubá feito pela sua esposa, que pouco se assemelhava à senhora na parede.

O velho Anacleto, assentado em um tamborete do outro lado da mesa, falava sobre os estragos que a chuva tinha causado em BH, perguntando pelo compadre Renato, que mora em Contagem. Ele tinha ouvido pelo rádio aquelas notícias e, se nunca tinha ido à Capital, agora é que não sentia vontade mesmo de ir; preferindo ficar escondido no Guará, torcendo para que ao menos o feijão se salvasse depois de toda essa seca.

Foi a esposa quem se lembrou do Córrego, esperançosa de que agora talvez ele corra e ainda afirmou que se a chuva que tem caído na Capital viesse para as bandas de cá, certamente que ele corria de novo, como fazia em outros tempos. Eram os tempos em que Anacleto ainda montava a cavalo, que ia até o Pitão levando gado, pegando chuva, vendo os passarinhos cantando molhados nos pequizeiros.

A velha capa que usava nos dias de chuva ainda está pendurada na parede, uma capa de lona amarela que tem ao seu lado o velho chapeu de couro, em forma de cuia, e os arreios que punha no Tirano, o único cavalo bom que ele possuira. Anacleto, com os olhos no horizonte e a fumaça do café subindo, ainda sente saudade de quando saía campeando, de quando quebrava os galhos no peito para buscar as vacas perdidas no matagal; mas disse que a saudade maior, a que mais dói, é do Guará descendo feito louco nos dias de chuva.

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