Para a felicidade dos
catrumanos, a chuva tem dado o ar da sua graça novamente. É verdade que tem
sido uma chuva mansa, ainda incapaz de fazer correr água pelos inúmeros
córregos que se encontram em processo de extinção pelas bandas de cá. O Guará,
por exemplo, faz menção de renascer, deixando escorrer pelos seus caminhos,
mas, depois, como que cansado de fazer força, adormece novamente.
Ainda que seja em pouca
quantidade, a chuva reaviva os sorrisos, que há tempos não apareciam por entre
os lábios deste povo sofredor. Ontem mesmo estive em casa de Anacleto, vaqueiro
velho, de muitas histórias e mãos calejadas. Sob os olhos arregalados de uma
senhora que, emoldurada, enfeitava a parede da sala, tomamos café adoçado com
rapadura, degustando um convidativo bolo de fubá feito pela sua esposa, que
pouco se assemelhava à senhora na parede.
O velho Anacleto,
assentado em um tamborete do outro lado da mesa, falava sobre os estragos que a
chuva tinha causado em BH, perguntando pelo compadre Renato, que mora em
Contagem. Ele tinha ouvido pelo rádio aquelas notícias e, se nunca tinha ido à
Capital, agora é que não sentia vontade mesmo de ir; preferindo ficar escondido
no Guará, torcendo para que ao menos o feijão se salvasse depois de toda essa
seca.
Foi a esposa quem se
lembrou do Córrego, esperançosa de que agora talvez ele corra e ainda afirmou
que se a chuva que tem caído na Capital viesse para as bandas de cá, certamente
que ele corria de novo, como fazia em outros tempos. Eram os tempos em que
Anacleto ainda montava a cavalo, que ia até o Pitão levando gado, pegando
chuva, vendo os passarinhos cantando molhados nos pequizeiros.
A velha capa que usava
nos dias de chuva ainda está pendurada na parede, uma capa de lona amarela que
tem ao seu lado o velho chapeu de couro, em forma de cuia, e os arreios que
punha no Tirano, o único cavalo bom que ele possuira. Anacleto, com os olhos no
horizonte e a fumaça do café subindo, ainda sente saudade de quando saía
campeando, de quando quebrava os galhos no peito para buscar as vacas perdidas
no matagal; mas disse que a saudade maior, a que mais dói, é do Guará descendo
feito louco nos dias de chuva.
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