quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

SOBRE OS ORELHÕES


Estive às voltas com os orelhões por estes dias. O mais difícil, nestes tempos de incontáveis tecnologias, sobretudo nas pequenas cidades, é encontrá-los pelas ruas e, se encontramo-los, é tê-los em perfeito funcionamento. Os de ficha já não existem, assim como se findaram as fitas cassetes, os walkmans, dentre tantas outras modernidades de tempos passados. Quanto aos orelhões de cartão, os poucos que se podem encontrar nas pequenas urbes, ficam de enfeite (de péssimo gosto, por sinal) nalgum canto, sempre com seus problemas incapacitantes.

Em meio à celeridade do mundo virtual, andamos atolados em nossos telefones móveis, valendo-nos das redes sociais e suas facilidades. Como de praxe, o governo, em todas as suas esferas, teima em nos contrariar e, para uma simples consulta de dados, ordena que liguemos de um telefone público, de um aparelho que não funciona, fazendo com tenhamos que perambular por toda a cidade, gritando em cada orelhão, segurando para não esmurrar a intransigente ferramenta.

Como tudo tem o seu lado bom, o périplo pelos orelhões corjesuenses fez-me recordar os tempos das fichas, quando saíamos de casa com os bolsos carregados para ligar nas rádios e pedir músicas, para conversar com os parentes de outras plagas, rapidinho, que era para não gastar todas de uma vez, para passar trotes em números escolhidos aleatoriamente. Eram tempos em que não tínhamos ainda tantas tecnologias e mal sabíamos para que serviam os governos.

Algumas coisas ainda permanecem iguais nos orelhões, porque os adolescentes ainda são os mesmos, com suas ideias, seus pensamentos e suas canetas. Cada aparelho ainda traz consigo nomes de pessoas, números de telefones e recadinhos apaixonados, como o que dizia, dentro de uma pequena nuvem: “Luana, você é a lua que brilha na minha noite!”. Não há dúvidas, os orelhões ainda possuem alguma serventia, ainda que Luana certamente nunca haverá de ler o recado deixado pelo seu anônimo apaixonado, pois deve estar entretida nalgum bate papo virtual.

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