sábado, 4 de janeiro de 2020

UM PAPO COM TONICO

Faz uma semana que Dina não aparece. Em redor da casa de Tonico poucos movimentos, apenas o homem e os meninos andam de um lado para outro, com os afazeres domésticos. De acordo com Candinha, que quase diariamente vai ter-se com a amiga, ela ainda se encontra acamada, mas melhorando a olhos vistos.

Tonico vez ou outra passa por aqui, com a mesma cara de bobo de sempre. Sempre tira o chapéu ao me ver sentado na varanda, diz um "Bom dia, Doutor!" e segue o caminho rumo ao curral. O menino mais velho sempre está ao lado dele na parte da tarde, quando já voltou da escola.

Tenho notado que, embora sempre passe e cumprimente, o homem não tem parado para conversar. Desde que a esposa caíra de cama, anda sempre apressado, correndo pelos cantos, sem tempo para um dedo de prosa. Por estes dias, peguei-o de jeito. Ele passava desembestado, quando ordenei que entrasse.

- Bom dia, Doutor. Algum problema?

Notei que me olhava com a cara assustada, olhos esbugalhados e tez amarelada. Fiz sinal para que sentasse no banco em frente ao meu, peguei um copo, enchi de vinho - um vinho trazido por um ambulante pelos lados do Rio Grande, coisa de boa qualidade, que eu degustava acompanhado de uns nacos de queijo dos que Tonico fazia - e convidei-o para beber comigo.

- Eu preciso trabalhar, Doutor. Se não se importa, vou beber só um golinho.

Entreguei-lhe o copo e empurrei o prato que estava sobre a mesa para o seu lado. Em seguida, falei sobre o Arnaldo e de como bebíamos sempre, enquanto conversávamos sobre tudo. Acho que o álcool já me subia pela cabeça, pois contei sobre a saudade que sentia do amigo morto e que sempre sonhava com o dia em que descobrisse quem o havia assassinado... Se é que ele tinha sido mesmo matado.

Acho que estava conversando demais e, num momento de devaneio, disse que aguardava ansioso pelo momento em que ele haveria de aparecer novamente no Sarará, quando eu faria uma grande festa pelo amigo e pediria perdão pelas muitas faltas que tive com ele.

Tonico parecia nervoso, mas se controlava e ouvia atenciosamente o que eu falava. Ele tomava o vinho vagarosamente e sempre balançava a cabeça, mesmo que meus pensamentos não fizessem qualquer sentido. Às vezes fazia menção de perguntar algo, mas logo desistia. A verdade é que, mesmo sendo bastante diferente, aquele homem lembrava-me do Arnaldo. Talvez todos os caseiros que pelo Sarará passassem, me lembrariam o Arnaldo.

Enchi novamente os nossos copos. O marido de Dina tentou recusar, mas, frente à minha insistência, pôs-se a bebericar o seu vinho. Parei de falar do Arnaldo e fiquei a olhar o pobre homem. E se ele fosse parente do meu falecido amigo e tivesse vindo vingá-lo? E se fossem, ele e a esposa, junto com os filhos, uma quadrilha, mercenários catrumanos, que tivessem pactuado com Arnaldo a fim de se vingarem, tomarem Candinha de volta e também o Sarará?... Com certeza, bebi demais.

Olhei para o tempo, parece que não demoraria a chover. O silêncio tomou conta da varanda e, para fazer com que Tonico falasse sobre algum assunto, perguntei pela esposa, se tinha melhorado, qual o problema dela e se precisavam de alguma coisa. Neste momento, Candinha chegou reclamando dores de cabeça. Enquanto ela sentava-se ao meu lado, o caseiro levantou-se e pedindo licença, voltou para as suas obrigações.

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