segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

DESAMOR

Aproveitando a segunda-feira de Carnaval com o sol ainda ressacado, resolvi levar meu filho para uma volta à beira da lagoa. Armei-o de uma pequena bicicleta, ainda com rodinhas de sustentação, e fui a pé, resfolegante ao seu lado, graças à minha rechonchuda forma física.

Pela descida, ele foi controlando a velocidade com pequenos apertões na manete de freio, talvez vislumbrando a dificuldade do velho em acompanhá-lo. E com o pretexto de pequenas tomadas de fôlego, fui descansando enquanto tirava  algumas fotos, eternizando a lagoa com seus rasgos solares, o menino pedalando livre feito passarinho, o palco com as suas parafernalhas, sem ninguém para tocá-las àquela hora.

Antes de voltarmos, ainda sentamos junto aos degraus do espelho d'água e, enquanto eu respondia às várias perguntas do pequeno ciclista, escutava, ao longe, a conversa de algumas mulheres que limpavam as incontáveis sujeiras deixadas pelos foliões durante a noite.

Uma reclamava do trabalho que algumas não faziam, ameaçando reportar ao responsável, sendo imediatamente apoiada pelas colegas não menos revoltadas. Noutro canto, duas mocinhas entretinham-se em falar da noite festiva, enquanto puxavam a água suja do banheiro; até que uma perguntou:

- Amiga, você já desamou alguém?

Está claro que este verbo não é um neologismo criado pela mocinha desapaixonada; mas, convenhamos, apesar de toda a dor que a mesma devia estar sentindo em meio a este sentimento tão vazio e resoluto, é esta, verdadeiramente, uma palavra bonita, assim como são mesmo as palavras mais desgostosas da nossa língua.

Não tive tempo de ouvir a resposta da sua interlocutora, pois, ávido para mais uma pedalada, o meu pequeno ciclista já ia por uma distância considerável em desabalada carreira, obrigando-me, para desespero das minhas vias aéreas, a correr feito louco na sua cola. E, enquanto eu ouvia o barulho da garrafa que coloquei entre a roda e o garfo traseiro, e ele dizia ser o ronco de uma moto, ia pensando com meus botões no tanto que a cada dia amamos e desamamos tanta gente nessa vida.

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