quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A CHUVA CHEGOU

 

         A chuva chegou novamente. Para o norte mineiro este é um momento de comemoração, de se pagarem as promessas feitas a todos os santos e de tomar pinga, ainda de manhãzinha, no boteco da esquina, para espantar o frio; afinal, basta chover para as blusas de frio saírem do armário, ainda com o cheiro de muito tempo guardadas.

            Junto da chuva vêm as lembranças... de quando chovia bem mais; de quando o São Francisco enchia tanto, mas tanto, que ninguém conseguia passar de um lado para outro e muitas famílias ficavam ilhadas por mais de mês; de quando a ponte do Pacuí foi levada pela cheia do rio, numa chuvarada de início de ano; de quando...

            A verdade é que sempre encontramos desculpas para relembrarmos daqueles tempos. E isso nos faz bem. Não como uma nostalgia que nos prende ao passado e entristece a alma, mas como mero saudosismo dos tempos em que fomos forjados entre brincadeiras e esperanças, construindo nossos caminhos, entrelaçando nossos sonhos.

            Naquele tempo, enquanto chovia, tomávamos café e comíamos broas de milho, contando os minutos para irmos à rua. Não havia qualquer acordo ou tratado, apenas nos encontrávamos para brincar, como se aquilo fosse a coisa mais normal da nossa infância.

            Alguns meninos vinham da rua debaixo, perto da Sanitária, enquanto outros desciam da Amintas Sales, para fazermos grandes barragens de lama; enormes construções que seguravam toda a água que descia desde a vicinal, desviando dos cascalhos. Depois, já com toda a engenharia traçada, um de nós estourava a primeira, lá em cima, fazendo com que todas as outras se arrebentassem, como numa fileira de cartas. E aquilo para nós era uma tremenda diversão.

            Aos domingos, enquanto a chuva caía calmamente, pegávamos as nossas bicicletas e, feito desbravadores desajuizados, saímos em disparada pelas poças de lama, sujando as roupas que, mais tarde, nossas mães lavariam prometendo todas as suas que merecíamos, mas que nunca chegariam; quando muito, ganhávamos pequenos sopapos, que hoje mais se parecem com carinhosos afagos a nos aquecer o coração.

            Não há dúvidas de que as chuvas têm rareado; mas, convenhamos, os tempos já não são os mesmos; as crianças não são as mesmas e nem mesmo nós somos os mesmos. De uma forma inevitável tudo mudo (talvez a diminuição da chuva poderia ter sido evitada, ou, se não, minimizada), mas, quanto a nós, quanto às crianças, quanto ao tempo, nada haveria de se fazer.

            Em meio a tanta tecnologia, enquanto a chuva cai mansamente lá fora, as crianças de hoje assistem desenhos, brincam nos celulares, conversam nos aplicativos, sem perceberem que sob os pingos gelados velhas crianças ainda brincam de fazer barragem, de andar de bicicleta, jogar bola, todas ensopadas, sujas de lama, mas felizes; felizes como a lembrança de um tempo que não mais voltará.

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