terça-feira, 8 de novembro de 2022

SOBRE AS CONVERSAS À TOA NA PORTA DA RUA

            

                    Com a chegada do progresso, até mesmo a conversa à toa na porta da rua foi deixada de lado. E, convenhamos, esta era um dos nossos maiores patrimônios imateriais; uma ferramenta de comunicação que mantinha informada grande parte da população de qualquer pequena cidade.

            Não é que os homens e mulheres de cidadelas com menos de trinta mil habitantes fossem meros desocupados. Pelo contrário, a maioria destes conversadores de boa índole era pais e mães de família que pegavam no pesado durante todo o dia, nos arrozais, nas carvoeiras ou mesmo nas capinas dos lotes citadinos.

            A verdade é que eles apenas seguiam a máxima de que diversão e informação sempre fazem bem para o corpo e a alma. Prova cabal desta é o fato de que poucos foram os conversadores que morreram de “doença ruim” ou sofreram com depressão e outras terríveis doenças que infelizmente assolam os tempos modernos.

            O sumiço daqueles conversadores, aos quais muitos chamavam de fofoqueiros, mas que talvez tenham vindo das Ágoras e seus intermináveis debates, evoluindo junto ao tempo, em meio às guerras, intempéries e tantas outras pragas (sociais, econômicas e políticas), pode ser explicado por vários fatores, mas, nenhum deles se sustenta solitariamente.

            É verdade que, naquele tempo, quando, à título de exemplo, eu era criança e ainda vivia correndo pelas ruas corjesuenses brincando de polícia e ladrão, ou, mais tarde, já rapazote, quando eles ainda insistiam por ali, enquanto eu engraxava sapatos ou vendia picolés, aqueles homens e mulheres já eram maduros, se não idosos.

            O triste e inconteste fato de muitos deles já terem morrido não anularia a continuidade de tão importante ofício, afinal, muitas também eram as crianças, adolescentes e até jovens que os circundavam, talvez à espera de alguma fofoca mais áspera, de alguma piada constrangedora ou mesmo de uma simples frase aleatória que, mais tarde, circularia em tom de chacota pela boca dos outros meninos da cidade.

            Todos os fios se entrelaçam e, dessa forma, a falta daqueles destemidos tagarelas juntou-se à chegada dos passatempos modernos e, lentamente, a sombra do Pé-de-Sete-Copas, o banco à porta dos botecos, as esperas na barbearia e tantos outros recantos de diversão e informação foram dando lugar à televisão com seus incontáveis canais e Streams e aos celulares com suas redes sociais e sua solitária comunicação em grupos.

            Outro vilão, em meio a esse desmanche da nossa história, é a violência tão presente na atualidade. Naquele tempo, ainda se podia ficar despreocupado na porta da rua (acredite!) a qualquer hora. Comumente, esses importantes transmissores de informação e promovedores de diversão, reuniam-se de manhã, a fim de pegarem os primeiros raios de sol; ou de tardezinha, assim que chegavam do serviço, enquanto se preparavam para o banho ou tomavam uma dose de cachaça.

            A violência existia, não sejamos tão ingênuos! Mas era uma violência pacata, interiorana, que, calmamente também era debatida nessas rodas, sem que, muitas vezes, se chegasse a uma solução plausível, mas, invariavelmente, rendia pano para muita manga! E ela, a violência, se resumia aos roubos de galinha na noite anterior, aos homens que se embriagavam e, por pequenos excessos, eram levados à Maria Chiquinha, de onde voltavam envergonhados no dia seguinte. Nada que valesse o medo e a liberdade dos citadinos.

            Mas eis que o progresso chegou e, com ele, os conversadores à toa na porta da rua se foram. É verdade que o ofício não morreu de todo. Mas também não há dúvidas de que não tem mais forças para voltar às ruas e, por isso, divaga pelas redes sociais, sem grandes emoções, sem as acaloradas conversas, as tiradas faraônicas, as piadas e palavras aleatórias de outrora.

            Ainda se pode encontrar, se olhar com muita atenção, pequenos grupos, em cidades ainda menores. Mas não são mais os mesmos conversadores. Quando muito, são dois ou três remanescentes que assopram a chama da saudade, para que as velhas conversas não se esvaiam no obscurantismo do esquecimento; mas não têm mais força para lutar e nem mesmo assunto, ou outras pessoas a repassar.

            Por tudo isso, muitos desses guerreiros, remanescentes daqueles tempos áureos, andam falando sozinhos, conversam entre si ou simplesmente se calam, relembrando o tempo em que a chama da conversa à toa ainda brilhava nos lábios e aquecia os felizes ouvidos dos pacatos moradores interioranos.

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