domingo, 6 de novembro de 2022

AS CRIANÇAS DE 80

 

Fui criança nos anos 80, em uma minúscula cidade norte mineira, onde quase não havia carros e as pessoas conheciam-se pela sua filiação. Eu, por exemplo, andava com Tinca de Lu, Fá de Merita e Marquim de Socorro; todos éramos filhos de alguém e sempre prezávamos por este nome. E, assim, entre o Buriti e o Sagrada Família, todos conheciam Robim de Mudim, Fabim de Gabrielzim, Elismar de Lena e de Zé Olímpio.

            Naquele tempo, brincávamos de ser fazendeiros, nos quintais das casas, construindo extensas rodovias que cortavam pequenos lagos, grandes propriedades rurais com seus boizinhos de sabugo de milho ou manga verde, sem contar nos amontoados de tijolos que fazíamos colocando lama dentro de caixinhas de fósforos e depois transportávamos em caminhõezinhos e caçambas.

            De todos nós, Marquim era quem tinha os melhores brinquedos: revólveres que atiravam espoletas, um quebra-cabeças enorme do Jiraya, espadas, bonecos de todos os tamanhos e uma Monareta irada, com vários adesivos escritos obscenidades em Inglês e que nenhum de nós sabia os significados.

            As outras crianças corríamos para cima e para baixo com nossos revólveres de madeira, que pegávamos na serraria de Bimba e que, enquanto apontávamos para os meninos, em meio à correria, caprichávamos na onomatopeia, saindo belos tiros das nossas gargantas, como “Pow” “Pei” “Pá”, até que prendêssemos os ladrõezinhos debaixo das camas-de-gato, que ficavam nos lotes de Zé Lopes e onde tramávamos as nossas estripulias diárias.

            Ainda nesse tempo, também tive a minha Monareta. Certamente, não era

Tão irada como a de Marquim. Também não era totalmente minha. Chegou em casa numa tarde em que brincávamos na porta da rua, chutando bola de meia por entre as pedrinhas de cascalho há pouco jogadas pela caçamba da prefeitura, que vira e mexe tapava os inúmeros buracos causados pela chuva, pois ainda não havia asfalto na João Celestino, assim como em nenhuma rua do Buriti.

            Meu pai trouxe a magrela arrastada pelo guidão e deu-a para minhas irmãs e eu. Como não soubéssemos andar de bicicleta, coube à Luciana de Lu a honra de estreá-la e, como também ela não sabia que lhe faltavam os freios, também foi dela o primeiro acidente com a nossa Monareta, batendo de cara num muro duas ruas abaixo.

            Sem que déssemos conta, cada uma daquelas crianças foi tomando o seu rumo na vida. Cessaram as partidinhas de futebol no meio da rua, as conversas até à noite debaixo do Pé-de-sete-copas, as idas ao campinho de Menon, as brincadeiras de Pique-esconde. Restaram as lembranças de um tempo em que a únicas grandes preocupações eram quem seria as polícias e os ladrões, quem seria contaria até que os outros escondessem.... Quem?!    

Nenhum comentário:

Postar um comentário