Fui criança nos anos 80, em uma minúscula cidade
norte mineira, onde quase não havia carros e as pessoas conheciam-se pela sua
filiação. Eu, por exemplo, andava com Tinca de Lu, Fá de Merita e Marquim de
Socorro; todos éramos filhos de alguém e sempre prezávamos por este nome. E,
assim, entre o Buriti e o Sagrada Família, todos conheciam Robim de Mudim,
Fabim de Gabrielzim, Elismar de Lena e de Zé Olímpio.
Naquele
tempo, brincávamos de ser fazendeiros, nos quintais das casas, construindo
extensas rodovias que cortavam pequenos lagos, grandes propriedades rurais com
seus boizinhos de sabugo de milho ou manga verde, sem contar nos amontoados de
tijolos que fazíamos colocando lama dentro de caixinhas de fósforos e depois transportávamos
em caminhõezinhos e caçambas.
De
todos nós, Marquim era quem tinha os melhores brinquedos: revólveres que
atiravam espoletas, um quebra-cabeças enorme do Jiraya, espadas, bonecos de
todos os tamanhos e uma Monareta irada, com vários adesivos escritos
obscenidades em Inglês e que nenhum de nós sabia os significados.
As
outras crianças corríamos para cima e para baixo com nossos revólveres de
madeira, que pegávamos na serraria de Bimba e que, enquanto apontávamos para os
meninos, em meio à correria, caprichávamos na onomatopeia, saindo belos tiros
das nossas gargantas, como “Pow” “Pei” “Pá”, até que prendêssemos os ladrõezinhos
debaixo das camas-de-gato, que ficavam nos lotes de Zé Lopes e onde tramávamos as
nossas estripulias diárias.
Ainda
nesse tempo, também tive a minha Monareta. Certamente, não era
Tão irada como a de Marquim. Também não era
totalmente minha. Chegou em casa numa tarde em que brincávamos na porta da rua,
chutando bola de meia por entre as pedrinhas de cascalho há pouco jogadas pela
caçamba da prefeitura, que vira e mexe tapava os inúmeros buracos causados pela
chuva, pois ainda não havia asfalto na João Celestino, assim como em nenhuma
rua do Buriti.
Meu
pai trouxe a magrela arrastada pelo guidão e deu-a para minhas irmãs e eu. Como
não soubéssemos andar de bicicleta, coube à Luciana de Lu a honra de estreá-la
e, como também ela não sabia que lhe faltavam os freios, também foi dela o
primeiro acidente com a nossa Monareta, batendo de cara num muro duas ruas abaixo.
Sem
que déssemos conta, cada uma daquelas crianças foi tomando o seu rumo na vida.
Cessaram as partidinhas de futebol no meio da rua, as conversas até à noite
debaixo do Pé-de-sete-copas, as idas ao campinho de Menon, as brincadeiras de
Pique-esconde. Restaram as lembranças de um tempo em que a únicas grandes
preocupações eram quem seria as polícias e os ladrões, quem seria contaria até
que os outros escondessem.... Quem?!
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