quarta-feira, 30 de novembro de 2022

SOBRE AVES E ÁRVORES

 

Da janela do meu quarto ainda vejo os passarinhos nas mangueiras, nas laranjeiras, na jabuticabeira, ou comendo os farelos de ração que os cachorros deixam para trás. Bem-te-vis, jandaias, maritacas, pássaros-pretos e uma infinidade de aves canoras que ainda escuro começam a cantar a brilhante sinfonia do dia.

Descendo uns trezentos metros, já à beira da lagoa, é possível vislumbrar a beleza dos mergulhões, a ferocidade dos quero-queros em voos rasantes para proteger seus filhotes, a sincronia das araras que voam em bando, conversando amenidades, enquanto procuram alguma roça para assaltarem.

Alguns desses pássaros, aventureiros natos, destemidos desbravadores, talvez para se avantajarem na ferrenha luta pelas, cada dia menos comuns, parceiras de procriação, se assentam, com a caixa alta, sobre o tosco chapéu do espantalho ou num dos chifres da cabeça de gado, que, há tempos, já não assustam mais bicho algum.

A verdade é que os tempos são outros e, nem mesmo os passarinhos, são mais tão bobos como antigamente. Tivesse um daqueles bichinhos um celular de última geração e, obviamente, tiraria uma selfie para postar nas suas redes sociais (Twitter, talvez!). Quem sabe assim ficaria famoso e fosse mais fácil arranjar uma “passarinha” para chamar de sua.

Mas, em tempos de pouca chuva, com as roças cada vez mais escassas e as pequenas cidades sendo infestadas pelos pardais, aves tipicamente urbanas, muitos desses simplórios passarinhos do interior certamente já estejam pensando em migrarem para as metrópoles; quem sabe, implorarem pelos milhos de pipocas, igual fazem os pombos, nas pracinhas ou nos parques das grandes urbes.

Em última instância, se não houver mais outro jeito, talvez o mais plausível seja se embrenharem ainda mais pelo mato a dentro. Quem sabe, como nas lembranças nostálgicas dos seus velhos pais, ainda possam achar algum recanto tranquilo, quem sabe um reino perdido onde exista muita água e comida, onde as gaiolas não existam e as bombinhas que os homens soltam nos milharais para espantá-los não passem apenas de tristes lembranças de um tempo bom, em que ainda existiam mangueiras, laranjeiras, jabuticabeiras.

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