Da janela do meu quarto ainda vejo os
passarinhos nas mangueiras, nas laranjeiras, na jabuticabeira, ou comendo os
farelos de ração que os cachorros deixam para trás. Bem-te-vis, jandaias,
maritacas, pássaros-pretos e uma infinidade de aves canoras que ainda escuro
começam a cantar a brilhante sinfonia do dia.
Descendo
uns trezentos metros, já à beira da lagoa, é possível vislumbrar a beleza dos
mergulhões, a ferocidade dos quero-queros em voos rasantes para proteger seus
filhotes, a sincronia das araras que voam em bando, conversando amenidades,
enquanto procuram alguma roça para assaltarem.
Alguns
desses pássaros, aventureiros natos, destemidos desbravadores, talvez para se
avantajarem na ferrenha luta pelas, cada dia menos comuns, parceiras de
procriação, se assentam, com a caixa alta, sobre o tosco chapéu do espantalho
ou num dos chifres da cabeça de gado, que, há tempos, já não assustam mais
bicho algum.
A
verdade é que os tempos são outros e, nem mesmo os passarinhos, são mais tão
bobos como antigamente. Tivesse um daqueles bichinhos um celular de última
geração e, obviamente, tiraria uma selfie para postar nas suas redes sociais
(Twitter, talvez!). Quem sabe assim ficaria famoso e fosse mais fácil arranjar
uma “passarinha” para chamar de sua.
Mas,
em tempos de pouca chuva, com as roças cada vez mais escassas e as pequenas
cidades sendo infestadas pelos pardais, aves tipicamente urbanas, muitos desses
simplórios passarinhos do interior certamente já estejam pensando em migrarem
para as metrópoles; quem sabe, implorarem pelos milhos de pipocas, igual fazem
os pombos, nas pracinhas ou nos parques das grandes urbes.
Em
última instância, se não houver mais outro jeito, talvez o mais plausível seja
se embrenharem ainda mais pelo mato a dentro. Quem sabe, como nas lembranças nostálgicas
dos seus velhos pais, ainda possam achar algum recanto tranquilo, quem sabe um
reino perdido onde exista muita água e comida, onde as gaiolas não existam e as
bombinhas que os homens soltam nos milharais para espantá-los não passem apenas
de tristes lembranças de um tempo bom, em que ainda existiam mangueiras, laranjeiras,
jabuticabeiras.
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