quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

CARIOCA

 


            Carioca não era carioca e nem mesmo fluminense; era geraizeiro, bem do norte, já quase chegando à Bahia. A alcunha lhe veio por causa do chiado do S, que soltava quando bebia além da conta, o que acontecia com alguma frequência, e sobre o qual se justificava dizendo que havia ganhado quando morara em Viçosa, onde, segundo ele afirmava, todos sofrem grande influência da antiga capital nacional.

            A verdade é que Carioca nunca passara por Viçosa e, se tivesse que apontá-la no mapa, nem mesmo saberia a sua localização, tendo apenas ouvido falar sobre aquela urbe e seu polo universitário. Mas, isso não vem ao caso; ademais, os estudos que obtivera durante toda a sua vida não o levaram sequer ao Segundo Grau; imagine a frequentar a UFV!

            De estudo, mal sabia ler e escrevia com alguma dificuldade, cheio de erros gramaticais e uma letra garranchada, a qual somente ele conseguia decifrar. Não era, de fato, um homem das letras; mas era um sujeito esperto; e isso já lhe bastava e, certamente, o tornava um personagem interessante.

            Ainda criança, Carioca se enveredara pelo mundo dos negócios, comprando e revendendo miudezas, desde balas até sombrinhas e chapéus de palha. Talvez tenha trabalhado, por curto espaço de tempo, em alguma mercearia ou carpido algum lote, pois que estas eram atividades comuns aos meninos daquela época; mas tudo isso eram perda de tempo, frente à facilidade inata que tinha para a negociação.

            O pendor do menino para o trabalho enchia os olhos dos mais velhos, que viam naquela criança mirrada e tagarela o exemplo que todos os filhos deveriam seguir, ao invés de ficarem todo o dia correndo pelas ruas com os pés descalços ou jogando bola pelos peladores da cidade.

            Não seria apenas a vontade de trabalhar que atrairia a atenção para Carioca, mas, também, a sua facilidade para ganhar e perder dinheiro; uma constante em sua vida de comerciante, que, se bem trabalhada, poderia se tornar numa história de superação ou num livro de regras sobre o que fazer e não fazer para ganhar e perder sua grana.

            Da primeira vez em que, de acordo com os conversadores à toa nas esquinas da cidade, Carioca ficou rico, ele não soube guardar o seu dinheiro. Rapidamente, de um pequeno boteco, saltou para um mercadinho, com miudezas, cereais e uma grande quantidade de bebidas, onde quase todo o bairro fazia as compras do mês, sempre sob o olhar atento e sorridente do solícito proprietário.

            Com a mesma facilidade que subiu na vida, Carioca desceu. De um pequeno quarto na casa dos pais, saiu para uma casa toda mobiliada com móveis brancos numa região nobre da cidade a bordo de um Opala 78 cinza com rodas cromadas, ladeado por uma bela loira com um cachorrinho nos braços; ilusão que durou por cerca de doze meses e lhe custou quase uma fortuna em dívidas e vários hematomas de um acidente.

            Esta cena ainda se repetiria por mais três vezes e, como num loop desarrazoado, num ato trino, Carioca se ergueria novamente, construiria uma pequena fortuna e, desgraçadamente, perderia tudo em algum acidente; enquanto, pelas calçadas e portas de botecos, homens e mulheres descrentes vaticinariam que havia sido aquela a sua última chance.

            Hoje, quem passar em frente ao seu armazém ainda o verá debruçado sobre o balcão, com um largo sorriso e os olhos já não tão arregalados, mas atentos como em outros tempos, sempre erguendo a mão, trêmula por causa do último acidente, e dizendo “bom dia! O que vai querer hoje? Pode ficar à vontade!”; Sempre com a certeza de que a sua fortuna em breve chegará novamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário