Carioca
não era carioca e nem mesmo fluminense; era geraizeiro, bem do norte, já quase
chegando à Bahia. A alcunha lhe veio por causa do chiado do S, que soltava
quando bebia além da conta, o que acontecia com alguma frequência, e sobre o
qual se justificava dizendo que havia ganhado quando morara em Viçosa, onde,
segundo ele afirmava, todos sofrem grande influência da antiga capital
nacional.
A
verdade é que Carioca nunca passara por Viçosa e, se tivesse que apontá-la no
mapa, nem mesmo saberia a sua localização, tendo apenas ouvido falar sobre
aquela urbe e seu polo universitário. Mas, isso não vem ao caso; ademais, os
estudos que obtivera durante toda a sua vida não o levaram sequer ao Segundo
Grau; imagine a frequentar a UFV!
De
estudo, mal sabia ler e escrevia com alguma dificuldade, cheio de erros
gramaticais e uma letra garranchada, a qual somente ele conseguia decifrar. Não
era, de fato, um homem das letras; mas era um sujeito esperto; e isso já lhe bastava
e, certamente, o tornava um personagem interessante.
Ainda
criança, Carioca se enveredara pelo mundo dos negócios, comprando e revendendo
miudezas, desde balas até sombrinhas e chapéus de palha. Talvez tenha
trabalhado, por curto espaço de tempo, em alguma mercearia ou carpido algum
lote, pois que estas eram atividades comuns aos meninos daquela época; mas tudo
isso eram perda de tempo, frente à facilidade inata que tinha para a
negociação.
O
pendor do menino para o trabalho enchia os olhos dos mais velhos, que viam
naquela criança mirrada e tagarela o exemplo que todos os filhos deveriam
seguir, ao invés de ficarem todo o dia correndo pelas ruas com os pés descalços
ou jogando bola pelos peladores da cidade.
Não
seria apenas a vontade de trabalhar que atrairia a atenção para Carioca, mas,
também, a sua facilidade para ganhar e perder dinheiro; uma constante em sua
vida de comerciante, que, se bem trabalhada, poderia se tornar numa história de
superação ou num livro de regras sobre o que fazer e não fazer para ganhar e
perder sua grana.
Da
primeira vez em que, de acordo com os conversadores à toa nas esquinas da
cidade, Carioca ficou rico, ele não soube guardar o seu dinheiro. Rapidamente, de
um pequeno boteco, saltou para um mercadinho, com miudezas, cereais e uma
grande quantidade de bebidas, onde quase todo o bairro fazia as compras do mês,
sempre sob o olhar atento e sorridente do solícito proprietário.
Com
a mesma facilidade que subiu na vida, Carioca desceu. De um pequeno quarto na
casa dos pais, saiu para uma casa toda mobiliada com móveis brancos numa região
nobre da cidade a bordo de um Opala 78 cinza com rodas cromadas, ladeado por
uma bela loira com um cachorrinho nos braços; ilusão que durou por cerca de
doze meses e lhe custou quase uma fortuna em dívidas e vários hematomas de um
acidente.
Esta
cena ainda se repetiria por mais três vezes e, como num loop desarrazoado, num
ato trino, Carioca se ergueria novamente, construiria uma pequena fortuna e, desgraçadamente,
perderia tudo em algum acidente; enquanto, pelas calçadas e portas de botecos,
homens e mulheres descrentes vaticinariam que havia sido aquela a sua última
chance.
Hoje,
quem passar em frente ao seu armazém ainda o verá debruçado sobre o balcão, com
um largo sorriso e os olhos já não tão arregalados, mas atentos como em outros
tempos, sempre erguendo a mão, trêmula por causa do último acidente, e dizendo “bom
dia! O que vai querer hoje? Pode ficar à vontade!”; Sempre com a certeza de que
a sua fortuna em breve chegará novamente.
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