Em BH a chuva tem causado transtornos, com
alagamentos, desabamentos e até mortes. Por aqui, ela tem chegado devagar,
calma e respeitosa como aquela senhora que pede licença e limpa os pés no
tapete à porta da sala antes de entrar para uma dose de café com pães de queijo
e bolo de fubá.
Que
esta tímida senhora continue assim, branda, mas constante, afinal, no norte de
Minas a chuva é sempre bem-vinda, sobretudo nesta época, em que as plantações
precisam de muita água para prosperarem e matarem a fome de tantos catrumanos,
homens e mulheres que labutam com suas enxadas, de olhos na lua, no vento e na
chuva, que sempre regem o ciclo do plantio no cerrado.
Mas
nem sempre o que se viu foi essa calmaria de agora. Já houve tempos em que a
chuva veio forte, raivosa, levando tudo o que encontrava a sua frente. E,
convenhamos, a culpa não é dela, mas, nossa, que sempre teimamos em obstruir o
seu caminho, desviar as suas rotas, dificultar as suas precipitações, sem saber
que, frente à mãe natureza, somos medíocres formiguinhas nos achando senhores de
todas as razões.
Dizem que em 79 ela veio à toda e, durante vários dias choveu torrencialmente, sem que o sol pudesse dar o ar da sua graça, sem que as mulheres pudessem secar as suas roupas, sem que os homens pudessem descer para o trabalho, sem que as crianças pudessem ir para a escola. Dizem que os afluentes do São Francisco encheram tanto que já quase pareciam o “Velho Chico”, jogando água para fora, invadindo casas, levando móveis, bichos, pessoas. Dizem que Januária, Ibiaí e Pirapora ficaram ilhadas por muito tempo, sem que ninguém entrasse ou saísse, apenas rezando para que tudo voltasse ao estado de antes.
Dizem que foi assim, eu não estava lá. Mas estava na lapinha, quando, em 2008, depois de semanas de chuvas, relâmpagos e trovoadas, o Pacuí não suportou tamanha cheia e desceu levando tudo o que encontrava a sua frente, como se fosse um animal raivoso, um carro desgovernado, uma multidão alvoroçada. O, antes sereno córrego, esbravejou, vociferou e desceu levando bombas de irrigação, milharais, casas, animais e até a velha ponte de madeira, que há anos cochilava debaixo das copas que a cobriam diuturnamente.
Assim
como muitos em 79, ficamos ilhados na Lapinha, pois, do outro lado, na estrada
que dava para o Mato verde, também havia um córrego que, ironicamente, cortava
a estrada, sem que houvesse nem mesmo uma "pontinha", pois que era antes apenas
um filete de água que mal cobria os calcanhares, mas que, agora, havia se transformado
numa enormidade bravia que não nos atrevíamos a atravessar.
Ficamos por uma semana, todo o povo ilhado, descendo diariamente ao rio para vermos, lentamente, a água baixar, o campinho por muito tempo coberto com os travessões respirando por sobre as águas; troncos de árvores descendo com peças de roupas penduradas; restos de animais boiando e plantações inteiras se perdendo em meio àquele mundo de desilusões. Depois, partimos, sem que outra chuva daquela caísse por essas bandas.
Que a chuva continue caindo; mas que venha calma, com seus cantares de ninar, para embalar nossos sonhos, para refrescar nossas almas, para renovar os sonhos e as esperanças que ainda movem os catrumanos, que fazem com que homens e mulheres levantem todos os dias antes do sol raiar, peguem as suas enxadas e desçam para as roças, sempre de olho na lua, no vento e na chuva, que sempre regem o ciclo da nossa vida.
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