sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

A SORTE DO ENDRICK

 

Deu nos jornais que o Palmeiras estaria vendendo o menino Endrick, de 16 anos, por 72 milhões de reais ao poderoso Real Madrid, da Espanha, sem que o atleta tenha jogado ao menos cinco partidas pelo profissional do Verdão, clube onde, de acordo com a televisão, o pai ainda trabalha como serviços gerais. E, confesso, tudo isso me assusta: as cifras, os poucos jogos jogados, o mundo do futebol enfim.

 

Não digo que o jovem não mereça tudo isso, assim como não sou capaz de ratificar ou refutar a opinião, de muitos entendidos, de que ele certamente será um dos grandes do futebol mundial. Só sei que, a cada dia, maiores são as cifras do esporte bretão, que há muito deixou de ser apenas um espetáculo, uma diversão, para se transformar em um dos mais rentáveis negócios mundo à fora.

 

Ao bem da verdade, faz-se necessário o reconhecimento de que estes são outros tempos e que de nada adianta o saudosismo, pior, a nostalgia, de quando ainda jogávamos por amor ao esporte, honrando a camisa que durante anos vestíamos sem nem sonhar em virar a casa e, quase sempre, sem receber nenhum tostão para correr atrás da gorduchinha.

 

Durante algum tempo desfilei meu arsenal de bizarrices com a bola pelos campos corjesuenses, sempre pelo Real Madri, sem grandes pretensões e nem mesmo condições. Como diriam alguns críticos: jogava por pirraça e mesmo a natureza já me marcava. E, apesar das críticas, nunca me abalava, afinal, o que importava era a emoção de estar em campo, as farras nas viagens para os campos dos povoados, a euforia dos gols marcados e das defesas realizadas.

 

É verdade que alguns dos nossos poderiam ter ido a algum grande clube, ter feito carreira como futebolista, quem sabe, ir para a Europa e jogar em Madrid. Ninguém foi. Cada um preferiu seguir a sua vida em terras catrumanas, labutando de sol a sol, bebendo cerveja nos fins de tarde e batendo suas bolinhas nos finais de semana. Definitivamente, não eram mesmo para o futebol profissional.

Alguns de nós ainda nutriam a esperança de jogar em um grande clube, ainda que muitos destes não tivessem a mínima condição de passar em qualquer teste futebolístico; como o zagueirão do nosso time, um sujeito alto e forte que nem mesmo conseguia chutar a bola para onde o nariz apontava e quase sempre saía do campo com pelo menos um gol para a sua conta... sempre contra o próprio time.

 

Havíamos perdido por 3 a 0, com um gol contra dele, e, ao final do jogo, enquanto ainda nem tínhamos saído de campo, veio com a pérola:

 

- Elismar, o que acha de a gente fazer um teste no Galo? Os jogadores não são tão bons assim, tem que dá é sorte para entrar...

 

Nem esperei pelo fim da explicação. Gritei pelo atacante, que já entrava no barzinho que ficava colado ao campo e deixei que o meu companheiro de zaga continuasse com suas ilusões de atleta profissional, com a certeza de que ele não estaria falando sério. Mas, confesso que hoje uma dúvida ainda me tira algumas noites de sono: será que, se tivéssemos feito algum teste, teríamos a sorte de passar?!

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