sábado, 10 de dezembro de 2022

PIRIGUETE

 

Piriguete deita-se sobre o banco de mármore à espera da sua vítima, em sua maioria, homens; talvez porque sejam eles os que mais a assustam, que jogam pedras, que soltam suas botinadas assustadoras em sua direção. Não atrás de todos eles, pois, como diz algum velho ditado, os animais conhecem a índole das pessoas. De vez em quando, talvez para quebrar paradigmas, também dá suas carreiras em mulheres, mas, convenhamos, sem o mesmo prazer que o faz contra os marmanjos, só para se divertir um pouco.

 

Há de se ter dignidade. Por isso, e para dar mais emoção, a cachorrinha caramelo, que é bem tratada pela vizinhança, mas sem que tenha um tutor para chamar de seu, escolheu correr apenas atrás de quem estiver montado, seja em moto seja em bicicleta. Atrás dos pedestres não teria porquê, ainda mais dos gordos e velhos, que mal algum fazem a qualquer criatura. Atrás dos carros seria imbecilidade, sem contar os perigos que puxaria para si.

 

A fim de garantir o seu território, Piriguete dorme debaixo de um carro enorme que sempre é estacionado debaixo de uma árvore próxima e quase nunca sai do seu posto, a não ser para se banhar na lagoa ou para uma caminhada breve até a pracinha da academia, onde observa as crianças que brincam de subir nas peças de musculação.

 

A ração e a água são deixadas dentro de pequenas vasilhas que alguns moradores, há tempos, colocaram ao lado dos portões e, vez ou outra, alguém de bom coração lhe entrega um naco de carne ou um pedaço de rapadura, com os quais ela finge não se importar, na esperança de que eles logo se retirem e ela possa saborear o banquete recebido.

 

É certo que não seja uma má cadela, mas não se pode dar ao luxo de, assim como procedem Motoca, Juninho do Morro e outros cachorros de rua, entregar-se de peito aberto aos afagos que lhe oferecem. Se bem que, lá no seu íntimo, quase inconsciente, antes de dormir, agradece pela comida, pela água e mesmo pelos olhares e palavras carinhosas que alguém lhe lança, e, depois, no meio da noite, sonha com o abraço que nunca que lhe deram.

 

Piriguete não tem lembranças de quando era apenas um filhotinho e, assim como todos os cachorros de rua, não nutre grandes esperanças pelo futuro. Contenta-se em deitar sobre o banco de mármore e observar, calmamente, pelo momento em que começará, repetidamente, o seu corre diário, numa diversão eterna – e terna.

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