Piriguete deita-se sobre o banco de mármore à
espera da sua vítima, em sua maioria, homens; talvez porque sejam eles os que
mais a assustam, que jogam pedras, que soltam suas botinadas assustadoras em
sua direção. Não atrás de todos eles, pois, como diz algum velho ditado, os
animais conhecem a índole das pessoas. De vez em quando, talvez para quebrar
paradigmas, também dá suas carreiras em mulheres, mas, convenhamos, sem o mesmo
prazer que o faz contra os marmanjos, só para se divertir um pouco.
Há de se ter dignidade. Por isso, e para dar
mais emoção, a cachorrinha caramelo, que é bem tratada pela vizinhança, mas sem
que tenha um tutor para chamar de seu, escolheu correr apenas atrás de quem
estiver montado, seja em moto seja em bicicleta. Atrás dos pedestres não teria
porquê, ainda mais dos gordos e velhos, que mal algum fazem a qualquer
criatura. Atrás dos carros seria imbecilidade, sem contar os perigos que
puxaria para si.
A fim de garantir o seu território, Piriguete
dorme debaixo de um carro enorme que sempre é estacionado debaixo de uma árvore
próxima e quase nunca sai do seu posto, a não ser para se banhar na lagoa ou
para uma caminhada breve até a pracinha da academia, onde observa as crianças
que brincam de subir nas peças de musculação.
A ração e a água são deixadas dentro de pequenas
vasilhas que alguns moradores, há tempos, colocaram ao lado dos portões e, vez
ou outra, alguém de bom coração lhe entrega um naco de carne ou um pedaço de
rapadura, com os quais ela finge não se importar, na esperança de que eles logo
se retirem e ela possa saborear o banquete recebido.
É certo que não seja uma má cadela, mas não se
pode dar ao luxo de, assim como procedem Motoca, Juninho do Morro e outros
cachorros de rua, entregar-se de peito aberto aos afagos que lhe oferecem. Se
bem que, lá no seu íntimo, quase inconsciente, antes de dormir, agradece pela
comida, pela água e mesmo pelos olhares e palavras carinhosas que alguém lhe
lança, e, depois, no meio da noite, sonha com o abraço que nunca que lhe deram.
Piriguete não tem lembranças de quando era
apenas um filhotinho e, assim como todos os cachorros de rua, não nutre grandes
esperanças pelo futuro. Contenta-se em deitar sobre o banco de mármore e
observar, calmamente, pelo momento em que começará, repetidamente, o seu corre
diário, numa diversão eterna – e terna.
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