Quando criança, eu
sonhava em ser jogador de futebol. Aliás, a maioria das crianças de antigamente
sonhava a mesma coisa. Lembro-me de que todas as tardes brincávamos de “Golzinho”
na rua da minha casa, se não, íamos até o “campinho de Menon” ou “detrás do
parque” para batermos a nossa bolinha. Era incrível como surgiam tantos
meninos, de todos os cantos, alguns que nem mesmo conhecíamos. E jogávamos todos.
Nos sábados e domingos,
se não estivéssemos no campo, ou jogando algum torneio em Inhaúma, eu ligava o
rádio na Itatiaia e, enquanto o Willy Gonser ia narrando as partidas do Galo, corria
de um lado a outro do quintal, fingindo ser o Gutenberg, o Doriva, quiçá o Taffarel.
É estranho, mas, naquela época eu não queria ganhar dinheiro com futebol, nem
ir para a Europa jogar no Barcelona ou no Real. Queria apenas jogar no Mineirão
lotado e (Incrível!), jogando no gol, defender uma bola “indefensável”,
colocá-la à frente, fintar o primeiro, o segundo, o terceiro, partir pela
direita, ultrapassar o meio de campo, fintar o zagueiro duas vezes, dar um
chapeuzinho no goleiro e, só por pirraça, fintá-lo outra vez e marcar o gol por
entre as suas pernas.
Depois, já sabedor da
minha incompetência futebolística, contrariando o amigo que queria ir ao CT do
Atlético para que fizéssemos o Teste, resignei-me em fazer carreira amadora,
sem qualquer prestígio e qualidade, no glorioso Real Madri corjesuense. Sem
qualquer brilhantismo, uns três gols de pênalti e um contra, corria em todas as
posições das quatro linhas, apenas não me aventurando debaixo dos três paus.
Por fim, pendurei a
chuteira conhecendo um pouco da numerologia que rege o esporte bretão, com a
certeza de que todo bom time começa por uma defesa sólida, passando por um meio
de campo rápido, firme e com alguma habilidade, culminando em atacantes
matadores. A harmonia, portanto, deve dar o tom do esquadrão, caso contrário,
ter-se-á apenas um aglomerado de homens correndo de um lado a outro, cada um
querendo resolver do seu jeito, sem estratégia ou previsão de sucesso, assim
como vemos hoje no Alvinegro Mineiro.
Certamente, no ano que
vem, o Galo volte aos bons tempos, com um melhor planejamento e jogadores de
maior qualidade, sobretudo, com um verdadeiro espírito coletivo. Quanto ao
velho sonho de ser futebolista, adormeceu nas tardes dos finais de semana em
que eu corria atrás da bola no quintal, para dar lugar a um mero espectador, sem
maiores pretensões ou qualquer rusga pelo desarranjo profissional dentro do
tapete verde.
O que me impressionam,
no entanto, são as proporções a que o futebol tem chegado. Quando criança,
enquanto via Bebeto desfilando o seu talento no La Coruña, da Espanha, e, por
isso, torcia para aquele time, nunca imaginava que tantas cifras estivessem por
trás do espetáculo. Aliás, se comparado com os dias atuais, nem era tanto dinheiro
assim. O dinheiro já movia os atletas, afinal, é sempre preciso buscar uma
melhor condição de vida, sobretudo, no futebol, onde a maioria dos jogadores é
oriunda de famílias com baixo poder aquisitivo, muitos vindos de favelas e
comunidades extremamente pobres.
Lendo “O Tempo”, de BH,
fiquei sabendo que os cerca de 820 milhões de Reais que o Paris Saint German,
da França, pagou (pagaria, ou pagará?) para tirar o Neymar do Barcelona, da
Espanha, daria para pagar um mês de salário aos servidores da Educação de Minas
Gerais. E olha que não ganhamos tanto assim, pelo contrário. É muito dinheiro
para um jogador, indiferente se seja o
Ney, o Messi, Cristiano ou o Tonico de Dona Florzinha; o futebol deveria ser
apenas uma brincadeira, com noventa minutos de diversão .
Algum leitor mais
atento haverá de indagar o fato de a transação ter ocorrido em solo europeu e,
por isso, nada termos nós a ver com isso. Mas, o problema não é o dinheiro
ganho por Neymar, nem o salário recebido pelos professores. O problema é a essência
do futebol. Poucas são as crianças que sonham jogar em um grande clube
brasileiro. Os nossos pequenos futebolistas já saem das fraudas com um grande
empresário (geralmente o pai ou um irmão mais velho), sonhando jogar num dos
grandes clubes da Europa, ganhando milhões, comprando iates, carros de luxo,
mansões, sempre acompanhados de lindas mulheres.
Salvas raríssimas exceções,
já não existe mais a paixão pelo clube. Não nas nossas crianças. Os aficionados
pelos times de futebol brasileiros somos os pobres mortais que já nem sonhamos
mais em jogar bola profissionalmente. Os atletas, preparados desde o berço para
seguirem a carreira de Pelé, Tostão e Reinaldo, são seres desprovidos de paixão
clubística. No máximo, têm alguma simpatia por um time nacional, o que não o
impediria de vestir a camisa do seu principal adversário. O importante são os
barões caindo na conta, os seguidores das redes sociais, as aparições
televisivas nas quartas e domingos.
O futebol de outros
tempos não existe. Nelson Rodrigues, o mestre de todos os cronistas esportivos,
haveria de decretar a falência do nosso futebol. O que existe, nestes tempos
robóticos, são atletas de laboratório, criados para serem jogadores, cheios de
músculos, com toscos cortes de cabelo e um monte de palavras pré-estabelecidas,
a serem ditas nas concorridas coletivas, onde os repórteres de sempre haverão
de fazer as mesmas perguntas, sem conteúdo nem interesse. Enquanto isso, os
torcedores ficam em casa, assentados no sofá, tomando cerveja e comendo seu tira-gosto,
xingando o “professor pardal”, que não soube mexer no time; pedindo a cabeça do
presidente, que montou mal o seu elenco. Nas arquibancadas, alheios ao futebol,
alguns indivíduos acenam para as câmeras de TV, enquanto outros tiram selfies
para as redes sociais e outros, menos socializados, matam-se com paus, pedras e
cusparadas.