AS VOZES
No meio da noite ele acordava ouvindo sempre a mesma voz. Lembrava-se de
que a mãe sempre dissera que nunca deveria responder, pois podia ser um chamado
da morte, que o queria buscar. Aquietava-se debaixo da coberta e punha-se a
rezar, até que o sono chegasse.
No início, a voz vinha espaçada. Ficava um bom tempo sem escutá-la e, por
vezes, até mesmo se esquecia de que ela existia de fato. Mas, com o passar dos
anos, enquanto ficava mais velho, o chamado tornou-se constante. E isto sempre
o assustava. Nunca havia respondido, mas, com tamanha insistência, a vontade de
traçar um diálogo com aquela voz vinha aumentando dentro de si.
A curiosidade tomava conta do seu âmago. Além
disso, um vazio horrendo havia tomado a sua alma. Morava sozinho numa cidade
grande e, embora sempre estivesse rodeado por pessoas, pois trabalhava numa
loja de conveniência na região central, faltava-lhe algo, que nunca conseguira
decifrar.
Não respondia aos chamados, mas, com o coração aos pulos, abria a porta
no meio da noite e olhava se havia, de fato, alguém do lado de fora do
apartamento. Não tinha ninguém, mas as vozes aumentavam. Agora não era mais
apenas uma, eram várias; vozes de homens, mulheres, crianças, velhos; vozes
feias e bonitas que se misturavam e faziam tremer todo o seu corpo e criava
medos em sua mente.
Com o tempo, já não andava normalmente pelas ruas. Estava sempre olhando
de um lado para outro, como se procurasse por alguém; andava apressado, quase
correndo, como se estivesse atrasado para algum compromisso; já não
cumprimentava os conhecidos e andava repetindo, baixinho, as palavras de sua mãe
“nunca responda, nunca responda!”.
Era uma tarde de sábado. O sol estava quente e algumas pessoas já
conversavam, alteradas, nos barezinhos da cidade. Ele voltava rápido para casa.
O seu dia havia sido uma porcaria. Havia sido demitido e aquelas vozes não
paravam de enchê-lo. Uma, mais afoita, parecia gritar. E era uma voz aguda,
desesperada, quase um pedido de socorro. Ele lutava, mas já estava quase a sucumbir
àquela tentação. E se fosse uma alma ávida por alguma ajuda, um ser perdido a
vagar pelo mundo em busca de libertação? E se fosse realmente alguém que
precisasse de sua ajuda?
Bateu a porta com violência. A água fria molhava os seus cabelos e quase
lhe dava uma sensação de paz. Lembrou-se das palavras da mãe, das lutas que
tivera durante toda a sua vida para seguir as suas ordens, para não cair
naquela tentação. Vestiu o seu pijama, deitou-se na cama e chorou. Uma mulher
parecia chamá-lo. Apesar da voz macia, ela estava desesperada, parecendo fugir
de alguma coisa. Fechou os olhos, fez sua última oração e, entre tantas vozes,
gritou. Depois, tranquilamente, adormeceu.