terça-feira, 25 de março de 2014

OS PÁSSAROS E OS MENINOS

O sol nem saiu, mas as crianças já descem para a escola. Do alto de uma árvore alguns pássaros observam a cena, receosos de que algum menino os veja. É sempre a mesma coisa: um enxerga o pássaro entre a copa das árvores e joga a primeira pedra; depois, os outros completam a balbúrdia. E os pássaros saem em disparada. Mas eles sempre voltam e, de manhã, observam as crianças que descem à escola.
Um passarinho parece viajar naquele momento e, viesse uma pedra em sua direção, nem mesmo haveria de negar dos ataques infantis. De certo que é um pássaro ambicioso, daqueles que querem estudar, formar-se, ser alguém na vida. Mas pássaros não estudam, não nas nossas escolas. Deve existir alguma escola de passarinhos... Ou será que eles aprendem em casa mesmo, com a mãe lhes pregando a lição?
As crianças descem em algazarra rua abaixo. Os pássaros ficam de sobreaviso, nenhum pio ou movimento mais brusco. Admiram a cena, mas, receosos do que estar por vir, preparam-se para a fuga. O passarinho não. Do seu canto, enamora todo aquele movimento; a criançada descendo uniformizada, com as mochilas nas costas, os cabelos penteados e uma luz abrindo-se à frente.
O passarinho quer ser gente; assentar-se nas cadeiras da sala de aula, conversar com os coleguinhas de classe, brincar de pique na hora do recreio. E uma profunda tristeza toma conta do seu peito. Ele não queria ser pássaro. Não lhe interessa voar, ver o mundo lá de cima. Queria mesmo era poder ler as coisas que as crianças lêem, viajar pelo mundo dos livros, escrever historinhas fantásticas, como as que ouvia a avó do Pedrinho contar.

As crianças descem rapidamente pela rua. Até que um menino com sardas nas bochechas vê os pássaros nas árvores. A primeira pedra chega rápida e todos voam. Todos, menos o passarinho que, absorto em seus pensamentos, não vê a pedra que vem em sua direção. Tudo escurece, a dor é imensa, mas ele sonha, enquanto uma forte névoa toma conta dos seus olhinhos. E, por fim, ele adormece.

segunda-feira, 24 de março de 2014

FORMIGAS E BORBOLETA

A menina pegou todos os lápis e pôs sobre a mesa; abriu o caderno e ficou a olhá-lo, como se estivesse a contemplar alguma imagem, ou a imaginar o que desenharia. A mãe, que varria a casa àquela hora, parou e ficou a observá-la.  Vendo a demora da filha em começar a sua arte; perguntou:
- Algum problema, minha filha? Por que não está desenhando?
Sem tirar os olhos da folha em branco, ainda com os lápis descansando sobre a mesa, a menina respondeu, com a voz um pouco embargada:
- É que eu não sei o que desenhar.
- Que tal desenhar uma casa, com um belo jardim, uma lagoa com alguns peixinhos e algumas árvores... Sugeriu a mãe, entre solícita e reticente.
- A senhora não entende, mãe? Não quero desenhar coisas... O que eu queria mesmo era desenhar os sentimentos. Às vezes ainda consigo imaginar o que estou sentindo... Quando estou triste, imagino uma grande nuvem negra, com alguns raios saindo, tudo pesado, doído. Quando estou alegre, tudo parece claro, feliz, com o sol brilhando e sorrindo para as plantas e os bichos.
A mãe, sem saber o que dizer, ainda tentou uma última vez:
-Então por que não desenha o que você está sentindo agora?!
- por que não sei o que desenhar, mãe. Este sentimento eu nunca tinha sentido. Não estou triste, mas também não estou feliz. É como se uma borboleta estivesse fazendo cócegas no meu peito e algumas formigas caminhassem por dentro de minha barriga. Sinto calor, mas, é estranho, estou sempre arrepiada, como se alguma coisa me soprasse os ouvidos, como o que eu sentia quando a senhora me mordia as orelhas na hora de dormir.
A mãe começou a preocupar-se com aquilo. Já sabia que sentimento era aquele, mas não tinha coragem de perguntar. Torcia para que não fosse o que ela pensava, mas, podia jurar, aquilo era o primeiro amor, que batia à porta do coraçãozinho.
- E quando é que você sente isso, minha filha? Quando é que ele vem com mais força?
- Sinto o tempo todo, mãe. Mas, as formigas e a borboleta atacam mesmo é quando vejo o Toninho; quando ele pega na minha mão e quando me beija de leve na boca, mãe.

Ela continuou a varrer a casa e não disse mais qualquer palavra. Mas pensava que haveria de conversar com o pai, assim que fossem se deitar. Ele saberia o que fazer. Afinal, a menina tinha apenas doze anos, e era ainda a sua criança.

O TONE A PRIMA VERA

A chuva deu o ar da sua graça neste final de semana. Timidamente, é verdade; mas, já deu para agradar aos mais afoitos pela água abençoada. Fazia tempo que não chovia e as plantas já ansiavam por este momento sublime. Nas estradas de terra que dão acesso à zona rural, a poeira tomava conta, formando uma enorme e perigosa cortina de tons amarronzados. Creio que esta chuva ainda não resolva o problema, mas, abranda-o. E isto, por ora, já nos basta.

De acordo com os mais antigos, entre os três dias que antecedem e os três que sucedem ao dia de São José, tem que chover, caso contrário, todo o resto de ano não será bom de chuvas. A este período chama-se “Cheia de São José”.  E eu não me lembrava, mas, alguém postou no Facebook que “São as águas de março, fechando o verão”. Verdade, conforme a música, foi-se o Verão e chegou o Outono.

Alguém, acho que também na rede social, disse que o Outono é o primo mais próximo da Primavera. Sobre este parentesco não posso afirmar qualquer pitaco. O que sei é que também eu tinha uma Prima Vera. Parente distante, talvez de segundo ou terceiro graus; mulher bonita, altiva, assertiva, que andava sempre bem vestida e pintada, e, quando chegava em casa era como se as flores desabrochassem de alegria. Eu era ainda criança, mas me lembro de que ela era a própria Primavera.

Coincidência ou não, a Prima Vera casara-se com o Tone, homem sério, rosto sisudo, trabalhador, mas com algum quê de poesia. Acho até que gostasse de música e dança. Não me lembro bem do Tone, assim como acontece com a estação. Talvez ele fosse mesmo ofuscado pela Prima Vera, assim como faz a estação mais bela do ano, que não nos deixa recordar o Outono.


A Primavera Vera e o Tone eram casados, enquanto a Primavera e o Outono nunca se encontram, afinal, o Verão e o Inverno sempre os separam. Mas, tenho certeza de que se, um dia, se encontrassem, por acaso, em algum cruzamento do destino, amar-se-iam no mesmo instante, afinal, os opostos se atraem e o amor é uma caixinha de surpresas, e de ilusões. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

MANHÃ FRIA

Faz frio nesta manhã
Enquanto me reviro
Nesta tão dura lápide
Onde me repouso
Onde os ratos se comem
E a vida, triste, dorme.

Faz frio nesta manhã
Enquanto os cachorros
De tão ferozes ladram
E a caravana passa
Sem olhar para trás
E sem me ver dormir.

Faz frio nesta manhã
Enquanto me reviro
A caravana passa
E a minha triste vida
resume-se aos cães
Que pálidos me velam.

AMOR

O quadro todo rabiscado

As criaturas gizezagueando
No caminho quadritraçado

E
       Ao longe

Um passarinho voando
Até o fim da página.

LADISLAU

Ladislau chegou do trabalho
Vestiu sua melhor roupa
E desceu ao boteco.
Foi ser feliz pela última vez.

TUDO

A poesia do tudo
É o nada
Escondido em cada
Canto
Em toda alma.

VEREDITO

Comamos poesias
Pois a panela 
E a vida
Permanecem vazias.

quarta-feira, 19 de março de 2014

O ABACATINHO

É verdade que o número de carros pelas ruas de nossas cidades tem aumentado significativamente. Em Coração de Jesus, o fluxo de veículos ainda não tem atrapalhado, e creio que demore ainda um tempo para que isto possa acontecer. Algumas placas estão sendo colocadas na região central da cidade, além de se adaptarem algumas ruas, para que o trânsito possa fluir com maior organização. Se isto dará certo, só o tempo dirá; mas a velha lembrança do Abacatinho voltou a bater na porta da minha memória.

Abacatinho foi o primeiro carro do meu pai que eu conheci. Antes ele tivera uma Rural; mas isso foi quando eu ainda era uma criança de colo, engatinhando dentro do rancho de Pau à pique, ou comendo terra perto dos fornos de carvão, no Santa Teresa. O Abacate, um corcelzinho Pé-duro, nascido pelos anos 70, era o xodó da família. Já chegara em casa velho, pelo finais da década de 1990; mas ajudara bastante, embora também nos desse bastantes problemas.

De todos nós, o Marcos, que ainda era bebê, talvez tenha sido quem mais gostara do Abacatinho. Como a internet ainda não fosse popularizada e nem mesmo computador tivéssemos em casa, o carro era a principal diversão do moleque. E se o deixássemos ali por todo o dia, na certa que não haveria de reclamar. Quase não andávamos nele – o Marcos e eu – mas ficávamos mexendo no rádio, fuçando os bancos, virando a direção para lá e para cá; até que a criança adormecia e pudesse ser levada ao berço.

As viagens com o Corcelzinho eram mínimas, em sua maioria até o Sanharó, em visitas às irmãs do meu pai. E é bem verdade que, embora algumas poucas vezes, ele acabava por nos deixar na mão; como no dia em que faltou o freio e atravessamos um mata-burros em alta velocidade e em silêncio. Depois, mais adiante, paramos e rimos daquela situação.


Mas o Abacatinho, num dia triste, sem sol nem esperanças, foi vendido a outro dono. O Marcos, já crescido, não morava mais em casa e não viu a sua partida. Parecia que o carrinho chorava ao sair da garagem, sendo levado por outras mãos, sem qualquer sentimento, sem nenhum carinho sequer. Ainda hoje me lembro do corcelzinho verde, com massas de lanternagem na lataria e um sorriso sempre escancarado no capô. Sempre com um sorriso, o pobre Abacatinho, até o dia em que saiu de casa, e nunca mais voltou.

ROTINA CORJESUENSE

Depois do café, rotineiramente, assento-me debaixo da pequena árvore, bem de frente à casa do prefeito. De lá é possível visualizar todos os que entram ou saem naquela casa; imaginar os planos que são confabulados, os acordos feitos, os projetos tratados, minuciosamente, pelo mandatário-mor da cidade e seus súditos. Mas, prefiro ater-me às pessoas simples que passam à minha porta, durante todo o dia, feito formiguinhas, de um lado a outro.


São vários os tipos que desfilam na minha rua. As crianças começam desde cedo, assim que nasce o sol, com suas correrias desembestadas, suas gritarias exacerbadas, suas alegrias incontroláveis. As meninas já não correm como antigamente, como faziam a Maíra, a Renata, Kênia e Luciana. Preferem caminhar, de braços dados, falando de namorados e namoricos. Os meninos, estes sim, andam de bicicleta e jogam bola pela rua, correm pelas calçadas e jogam pedras nos cachorros mais despercebidos.

Os homens encontram-se na mercearia da esquina, e falam de futebol, de mulheres e sobre as notícias da TV. Joãozinho vende doce pelas ruas, enquanto o Elias desce com sua motoca, buzinando e vendendo salgados. O Camilo sempre chega à tarde, conversa um pouco e vai embora; João desce a rua lentamente, enquanto Seu Vicente, assentado em seu velho banquinho, olha a rua, acompanhado do Seu Cardoso.


As mulheres entram na loja, olham os artesanatos, compram linhas, agulhas e bastidores. A arte do tricô, do bordado, do Crochê, ainda faz sucesso por estas bandas. Cássia faz as suas caminhadas diárias, depois, assenta-se à porta da loja e inicia uma prazerosa conversa com dona Lena. Uma mocinha sobe e desce a rua várias vezes, com seus cabelos esvoaçantes e sua pele clara. Os homens na mercearia olham, tecem comentários, e ela segue o seu caminho, sem olhar para trás.


As crianças continuam brincando pela rua, enquanto os cachorros, de olhos arregalados e orelhas atentas, passam pelo outro lado do asfalto. Um bando de pássaros voa sobre as nossas cabeças, enquanto o sol brilha imaculado no céu, feito holofotes e iluminarem as vidas e seus sonhos, homens, mulheres, crianças, seres que vão e vêm, numa eterna rotina corjesuense..

terça-feira, 18 de março de 2014

SEPARAÇÃO

Depois de vinte e cinco anos de casados, resolveram se separar.  Não que houvesse traição ou desavenças; simplesmente, não tinha mais razão de ser. Os filhos já estavam todos criados; ela era uma mulher independente, advogada de mão cheia, quase empossada no cargo de juiz substituto em São Paulo. Ele, empresário forte em BH, dono de uma grande rede de restaurantes. Que cada um tivesse a sua vida e ponto.

Ficou resolvido que os filhos ficariam com a mãe, como lhe é de direito, embora ela não fizesse questão; afinal, eles poderiam atrapalhar o seu crescimento profissional. Os carros seriam divididos: dois para cada um. Ele, apaixonado por trilhas e fazenda, ficara com os maiores, os brutos, como ele dizia. Ela ficara com os esportivos e a casa de praia. As duas fazendas ficara com ele, enquanto ela herdara o apartamento de Sampa.

Não precisaram de advogados ou audiências judiciais. Resolveram tudo como duas pessoas civilizadas; sendo que as únicas desavenças surgiram quando foram dividir os cachorros. Eram três os bichinhos. Não havia como dividi-los ao meio. Resolveu-se, então, que o melhor seria levá-los ao canil. Que cada um comprasse o seu animalzinho. De resto, tudo tranqüilo. Ninguém queria o que não lhe fosse de direito.

Tudo resolvido, era chegada a hora da despedida. As crianças já haviam chegado da escola e acabavam de arrumar as malas, em seus quartos, no terceiro andar da mansão. O casal subiu para a suíte e amou-se como se fosse a primeira vez, com todo o amor que sentiram da primeira vez; com todo o prazer que lhes correra pelo corpo, quando ainda eram adolescentes. E tudo aquilo parecia que duraria por mais uma eternidade. Depois, já na porta da mansão, apertaram as mãos, quase que profissionalmente; cada um entrou no seu respectivo carro, e, tudo estava terminado.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O POETA

A pior parte de ser poeta não são os pedidos de poesia ou as dúvidas quanto à veracidade dos versos. Também não é nenhum precipício as pessoas ficarem olhando para a gente como se os poetas fôssemos seres de outro mundo, dotados de inteligência incomum; capazes de fazer um poema a qualquer hora do dia. Embora não sejamos nada disso. A poesia é uma inspiração; às vezes fico assentado de frente o papel por toda uma manhã e não escrevo bulhufas; noutras; tenho que parar a moto a um canto da estrada para anotar um verso, ou toda uma poesia... O pior é ter que lidar consigo mesmo.

Falo por mim, poeta mínimo e sem maiores conhecimentos da causa; mas, acredito que também seja assim com a maioria dos poetas, iniciados ou veteranos: pensamos, sonhamos, divagamos demais. A verdade é que minha mente parece quase que um turbilhão de idéias, ainda que, na maioria dos casos, quase não as coloque em prática, lapido-as, redijo-as mentalmente,ou, simplesmente, deixo-as quietinhas a um canto da cachola.

As lembranças são várias. A mais remota, dos tempos de infância, leva-me ao quatro anos de idade, quando ia com meu pai ao boteco do Fabiano; quando brincava de revolverzinho de esguichar jatos d’água e quando tiramos a foto do quadro, no Fred’s bar, ainda do Seu Florentino. E estas lembranças me fazem nostálgico e faz pensar o quanto a felicidade passa rápido em nossas vidas, restando-nos apenas a realidade.

Mas também vêm as más recordações, dos momentos ruins, das perdas e suas sensações. Lembro-me da vizinha que encontrei morta sobre a sua cama, de braços abertos e olhos fechados; do velório do meu avô e do meu tio, no mesmo dia, na mesma casa, com minha avó chorando em meio aos dois. Recordo-me dos amigos que se foram, ainda jovens, ainda muito cedo; dos amores que não eram, nunca foram, e, ainda assim, perderam-se pelo caminho.


E, de lembrança em lembrança, sobre cada recordação, o poeta vai construindo a sua poesia, montando o seu dia, desvendando as nuances do seu futuro. A cabeça, um turbilhão de emoções e pensamentos, deixa-se guiar pelo coração, como se a razão fosse apenas um mero detalhe, quase que insignificante, e, eis que, então, brotam-se as poesias, feito belas flores nalgum jardim perdido em nossa alma, do nada. Do nada.  

domingo, 16 de março de 2014

NO PONTO DE ÔNIBUS

Ela se levantou de forma brusca e sentiu faltar-lhe o chão. Procurou algum apoio onde se segurar e por pouco não caiu. Não era a primeira vez que sentia aquilo, mas não com tanta força, não com tanta intensidade. Quando engravidara, e depois perdera o bebê, havia sido daquela maneira, sentia tonturas, enjôo, desejos; mas, agora era diferente, não estava grávida, não podia estar. Também não ia ao médico, dificilmente entrava em um hospital. Quase nunca.

A senhora do lado lhe viera socorrer. Era uma mulher gorda, de cabelos brancos e com um longo e solitário fio, também branco, bem no canto do queixo. A fala da senhora era mansa, mas firme e confiante, e lhe causava uma paz profunda dentro do peito, enquanto lhe pedia que se sentasse e lhe fazia algumas perguntas sobre a sua saúde, além de outras tantas indagações.


Estavam em um ponto de ônibus. A mulher dissera que vinha da Zona Norte, estava indo para a Leste ver um negócio de emprego numa casa de família, era doméstica e tinha cinco filhos para criar sozinha, pois o marido, bêbado e mulherengo, não tinha tempo para trabalhar. Dissera também que era evangélica, que frequentava a igreja do bairro, mas que não tinha certeza se era isso que queria para a sua vida, pois que ainda estava se acostumando com os dogmas daquela religião; antes era católica, mas não muito praticante.

A mulher era quem mais falava. Fizera algumas perguntas no início, coisa sobre a sua saúde, talvez para entender o porquê daquela tontura súbita. Depois, destravou a taramela e não parou mais de falar. Mas ela gostava de ouvir, pois que a voz da senhora lhe era como um bálsamo a acalentar a sua alma. Acostumara-se com a solidão do seu barraco, sem ninguém para conversar, sem nenhuma amiga para trocar confidências; e, Santo Deus, aquela mulher trazia as lembranças e a saudade de sua mãe.


Fazia tempo que não via a mãe, que ficara no interior, que não lhe telefonava, que não mandava uma carta sequer. Faria isso, assim que chegasse em casa. Pediria perdão pela distância, pela ingratidão, pelo sofrimento que lhe causara. Do pai também sentia saudade, mas nem tanta. Lembrava-se constantemente das surras que ganhava, dos impropérios que ele lhe dizia quando chegava em casa bêbado. Mas pela mãe sentia amor, um amor velado, tímido, mas profundo e valioso.


O ônibus da senhora chegara, ela tinha que partir. Tinha hora para a entrevista e não podia se atrasar; mas pediu o telefone, mais tarde ligaria para saber como estava, se havia melhorado, se precisava de alguma coisa. Abraçaram-se rapidamente e a mulher se foi. Nunca mais a senhora ligaria, mas as lembranças dela ficariam para sempre na sua mente. Queria convidá-la para ser a madrinha do seu primeiro filho, e falaria isto com o pai, se soubesse quem era. Se soubesse. 

sábado, 15 de março de 2014

UM MÊS INTENSO

De uma coisa o Renato não pode reclamar, este mês tem sido intenso para ele! O cara viajou mais de quatrocentos quilômetros de moto e conheceu dois dinossauros em Coração de Jesus; foi a Montevidéu, no Uruguai, voou de avião; jogou cartas num cassino e viu o Cruzeiro perder mais uma na Libertadores. Bom ou mau, este está sendo um mês de grandes emoções.


Pela primeira vez, o cara tirou fotos na cabine do avião; conheceu Celso Roth, o eterno desafeto dos mineiros, ainda que seja um profissional de grande integridade; além de viajar com toda a delegação atleticana, de São Paulo a BH. E o coração do cara quase saía pela boca. Não foram momentos de grandes alegrias, mas, foram instantes de conhecimento, sabedoria e crescimento.


A cada viagem que fazemos, a cada lugar que conhecemos, a cada nascer e pôr do sol que vislumbramos, aprendemos um pouco mais. As gafes, por não conhecer o Espanhol, ficam para uma outra Crônica, depois que, após alguns copos de breja, o cara soltá-las em conta-gotas.
  

Talvez também o Marcinês se desse bem pelos lados do sul, com sua sabedoria boêmia, suas tiradas filosóficas e suas excentricidades roquísticas-belorizontinas. Mas, eis que o Renato foi bem assegurado. Do seu lado direito, Rodrigão, da Motozeiros, presidente, capitão, dono da bola, exímio lingüista na arte espanhola; e, à sua esquerda, o grande PC, colunista cruzeirense apaixonado, sofrendo um bocado, por ficar dois dias distante de sua Gláucia.



O Cruzeiro perdeu e começou a complicar-se na Libertadores. Mas, deixemos isso para os especialistas. Fiquemos com o nascer do sol, por cima das nuvens uruguaias, com o barulho e a imponência dos dinos corjesuenses e com a esperança de que, um dia, numa tarde qualquer, quando as pernas já não tiveram as forças necessárias para uma boa pelada futebolística, tomemos uma Patrícia gelada e lembremos do quanto éramos felizes... e sabíamos.

sexta-feira, 14 de março de 2014

O DIA NACIONAL DA POESIA

No Dia Nacional da Poesia, incrivelmente, fui tomado por grande inspiração poética e produzir cinco poemas com alguma qualidade literária, tendo os publicado no facebook. Curiosamente, também me lembrei dos meus amigos poetas corjesuenses; muitos ainda desconhecidos do grande público, mas, de imensa capacidade de produção. Ainda esperando a hora certa de se mostrarem para a vida.

Alguns, como o Bira Macedo, o Levi Lafetá e o Aroldo Pereira já são figurinhas carimbadas no mundo da poesia, com inescusável capacidade poética; no entanto, outros, como o Ziza, Guiga e Xela ainda esperam o momento certo de desmembrarem-se dos casulos em que se encontram, mostrando aos leitores mais ávidos as suas incontestes forças poéticas.

Poetisas como Paulinha e Clara também dão o ar das suas graças neste mundo de sensibilidade e ilusão. Ainda mocinhas, têm grande futuro pela frente, com talento o suficiente para se tornarem, num futuro próximo, nas maiores representações da poesia corjesuense. Outras tantas existem, espalhadas pelos rincões desta terra rica em cultura e saberes, não obstante, ainda se escondem, como se a poesia não quisesse florescer.

Convenhamos, ninguém escolhe ser poeta, escrever poesias, expressar seus mais íntimos sentimentos. A poesia é quem escolhe o seu poeta, é quem instiga o coração e faz brotar da mais dura alma os mais belos versos, ainda que sem métrica, sem rimas, sem assonâncias ou aliterações. Afinal, a poesia não é regra, mas, a mais pura das exceções.


Neste Dia Nacional da Poesia, resta-me parabenizar a cada um dos leitores-poetas, que nos ajudam a construir a poesia, a sonhar ilusões e produzir esperanças, em versos, estrofes, metáforas e tantas sensações, que perfuram o peito e vão dar certinho na alma, enchendo de flores o mais seco dos jardins da vida. Como se todo o resto fossem apenas protocolos a serem cumpridos em um mundo grande e bobo, como este em que vivemos, poeticamente.

quinta-feira, 13 de março de 2014

IOLANDA

Fazia tempo que ela não tirava um momento para si mesma. Este era o pensamento de Iolanda, quando resolveu deixar o marido e os filhos em casa e partir para um final de semana na praia. Saiu de manhãzinha, quando todos ainda dormiam; o marido, na sala, desde algum tempo, por causa de umas puladas de cerca; os filhos no quarto de cima. Saiu lentamente, pisando leve; fechou a porta e se foi.

Não tinha pensamentos inescrupulosos, maldosos ou ilibados; apenas queria um descanso, alguns dias para curtir a si mesma, sem se preocupar com a casa, com a família, com os problemas do dia-a-dia, afinal, eram quinze anos naquela mesma rotina, sem passeios, sem carinho, sem amor. Agora tinha certeza: tornara-se uma escrava do lar, sem direito à carta de alforria ou coisa parecida.

Pegara o táxi do Maninho, já cheio, pronto a zarpar. Na estrada, não disse qualquer palavra. Levava apenas uma pequena bolsa e algum pouco dinheiro, além do cartão de crédito, que pegara da carteira de Agenor, o marido, enquanto este dormia. Não olhava para os outros passageiros; não olhava para nada, apenas pensava, e isso lhe fazia bem. Muito bem.

em Montes Claros, pegara o ônibus para o Rio de Janeiro. Viveria as praias cariocas, iria ao Corcovado, à Santa Teresa, tomaria banho de mar em Ipanema. Voltaria na segunda de manhã, ou, se não sentisse vontade de voltar, ficaria mesmo na cidade maravilhosa. Talvez se arranjasse em alguma casa de família; voltaria a ser escrava, mas, agora, com carteira assinada e todos os seus direitos.


No Rio de Janeiro, ao descer da rodoviária, conheceu um americano, que lhe viera pedir uma informação qualquer. Não sabia qualquer palavra em Inglês, por isso, comunicaram-se por gestos e olhares. Iolanda gostara do gringo e, pelo parece, ele também gostara do seu sorriso, das suas ancas avantajadas, da sua cor morena, brasileira. Seguiram no mesmo táxi para o hotel, onde ficariam no mesmo quarto, e ele pagaria a conta. Enquanto, em Coração de Jesus, Agenor ainda não entendia o porquê de a mulher ter indo embora. Ela tinha uma vida de rainha... de rainha!