Sentado no velho banco de madeira, Reis olhava o pasto do Sarará enquanto tomava o seu café com rapadura e comia broas quentinhas, feitas por Maria. A negra já tinha voltado para a cozinha, daí a pouco as panelas começariam a chiar, jorrando o cheiro do tempero pela casa, aumentando a fome do patrão.
O café estava quente, redondo, assim como gostava o velho Lourenço. As lembranças do pai ainda estavam impregnadas em cada canto; às vezes ainda se ouviam os seus gritos de 'aiou' tangendo o gado que pastava bem em frente a casa ou o seu ronco na rede que agora balançava solitária na varanda, assim como em muitas manhãs de pouco sol se podia vê-lo passeando pelas roças de milho e feijão, calculando toda a produção em contas de Noves-fora. Reis sentia saudades do velho, embora não se apegasse tanto à sua falta. A distância física entre ambos fizera com que as afeições do filho para com o pai se resumissem ao respeito e à admiração. Talvez não existisse amor, Lourenço não era afeito a estas bobagens.
O Sarará estava em decadência. Não fosse a promessa feita ao velho, já teria mandado embora a negra e o Arnaldo. Venderia tudo aquilo, de porteira fechada, pegaria a esposa do Arnaldo e iriam embora para a capital. Se arranjaria como advogado, podia ser que conseguisse mesmo alguma assessoria no Palácio e isto já estaria de boa monta. Mas tinha medo de tudo isso. O fantasma do pai ainda estava muito vivo naquele lugar.
Assim como acontecia todos os dias àquela hora, Arnaldo chegava vagarosamente junto a portinhola da varanda; dava um 'bom dia, Doutor' e ficava à espera de que o mandasse entrar.
- Bom dia, Arnaldo. Entre, tome um café comigo. As broas ainda estão quentes e o café está no ponto.
O pobre homem, envergonhado em tomar o café do patrão, resistia à tentação e, agradecendo efusivamente, tratava logo de mudar o assunto; falava da chuva que tardava, das roças que quase nada vingariam, das últimas cabeças de gado que precisavam de sal e ração para aguentar a espera de tempos mais amenos. Tudo aquilo deveria ser castigo, só podia ser isso. Não dizia ao patrão, mas talvez fosse alguma dívida deixada pelo falecido e podia ser que com alguma promessa e um tanto de novenas tudo pudesse mudar. Mas o Doutor não acreditava naquelas coisas, preferia os livros e as palavras difíceis. Desse jeito, o Sarará não ia muito longe.
Reis sentia raiva do Arnaldo. Como podia um pobre diabo desse arrumar uma mulher tão bonita?! Sentia vontade de lhe dar uns sopapos, meter-lhe duas balas na fuça, mas a promessa. Miserável promessa. Podia até imaginar os pensamentos do homem; devia estar pensando que ele era um frouxo, que não conseguiria resolver os problemas da fazenda, até devia sentir saudades dos tempos do velho. Mas o pai havia morrido, agora era com ele. E ele resolveria tudo. Respirou fundo, bebericou o café e olhou novamente para o pasto bastante seco.
- Não se afobe, meu dileto amigo. Eu já lhe disse que nesta canícula, a sofreguidão é o que impera. Não soltemos os impropérios ainda. Irei hoje à cidade; comprarei sal e ração. A chuva não há de tardar e tudo se assenta, afinal, não há mal que perdure.
Sabia que o Arnaldo não entendia quase nada do que ele falava, e isto lhe aprazia. Gostava de se mostrar superior ao pobre homem, embora invejasse a sua sabedoria. O empregado quase não falava e quando o fazia era para concordar com as suas palavras; mas sabia que em muita coisa ambos discordavam e, às vezes, quando falava, dizia coisas simples, cheias de filosofias e sapiências, assim como são os sertanejos. A raiva lhe subia pelas ventas, mas ele respirava fundo e vaticinava:
- Não se apavore, meu caro, vamos tomar um trago. Espere o almoço, Maria já está refogando o frango, e o quiabo daqui a pouco já começa a ferver na panela.
Arnaldo se corava todo e isto fazia Reis se divertir. Não gostava de contrariar o patrão, mas Candinha já o devia estar esperando. Não queria brigar com a esposa.
- O senhor me há de desculpar, Doutor, mas o almoço eu não vou aceitar. Está cheirando mesmo e deve estar gostoso, a comida da negra Maria sempre é uma maravilha, mas o lá de casa já está quase pronto também. E Candinha não gosta de minha desfeita, o senhor sabe como é mulher, a gente não pode contrariar. Mas a pinga eu aceito, que é pra refrescar o calor. Se Deus não tiver dó...
Reis pegou a garrafa de pinga com escada de macaco e pôs uma dose em cada copo. Arnaldo pegou o saleiro que descansava na janela, botou um punhado nas costas da mão, tomou um trago e comeu o sal, enquanto o patrão bebericava o seu copo e imaginava Candinha preparando o almoço; Comida boa, como a esposa do Arnaldo.