Fazia
duas horas que estava caminhando, sem nem saber o rumo a seguir. Tinha saído
antes que o sol desse as caras e Clarinha e os meninos ainda estavam dormindo.
Não havia pensado em nada, apenas tinha acordado, fez café e foi embora. Não
levou roupas nem dinheiro. Nada disso era preciso. Não pensava em passar em
algum lugar, seguiria pelo mato, cortando caminho, roendo pequi, chupando
manga, mandapuçá, comendo castanhas e bichos pequenos.
Não
estava arrependido de ter ido embora, mas também não tinha uma explicação. Era assalariado
e nunca tinha sentido falta de nada. Durante o ano comia bem, sem fazer extravagâncias;
no final do ano ia com a família passar uns dias na praia. Pagava no cartão,
parcelado em doze vezes, que era para não se endividar. Bebia pouco, nos finais
de semana. Gostava de cerveja e não bebia fora de casa. Sempre fora meio
sistemático.
O
sol estava quente e umas nuvens se avizinhavam. Na certa, ia chover. Não
deveria ficar embaixo de alguma árvore, mas precisava achar algum lugar para se
abrigar. A chuva viria com raios, já ouvia os trovões ao longe. O melhor era
não parar, continuaria caminhando, podia ser que achasse alguma casa desocupada
para se acomodar. Não queria ver gente, nem bichos, tinha medo de gente e de
onça, e da chuva que não tardaria.
Talvez estivesse doido, mas não ouvia vozes.
Sempre tinha escutado que quem endoidava ouvia vozes que mandavam fazer isso e
aquilo, e, por isso, os doidos saíam andando sem rumo, desnorteados. Ele não
ouvia vozes, apenas caminhava. Nenhum pensamento fora do lugar, nenhuma falta
de senso. Gostava da mulher e dos filhos, tinha sonhos, planos, pensava o
futuro de cada um, a faculdade, empregos; o mais novo haveria de ser jogador de
futebol, era habilidoso e tinha boa visão, certamente seria um goleador.
O
sol tinha se escondido atrás de uma nuvem pesada, mas o calor já era quase
insuportável. Muitos já falavam no fim dos tempos, quando todos morreriam
esturricados pelo sol. Fazia bem um tempo que não chovia mesmo, só uns poucos
pingos, que aumentavam ainda mais o calorão. Tirou a camisa e pôs sobre o
ombro. Estava gordo, barrigudo e preguiçoso. A fome já começava a bater. A
barriga roncava e sentia vontade de descansar, mas não podia, tinha que achar
um lugar para se abrigar da chuva que não tardaria.
Pelo
tempo que estava andando, já devia estar bem uns quinze quilômetros longe de
casa. Não tinha a mínima ideia de onde estava, talvez tivesse até mesmo andado
em círculos durante essas três horas. Uns pingos grossos batiam na sua cabeça.
A chuva havia chegado e não tinha sinal de casa alguma, nem mesmo uma gruta. Fazia
tempo que tinha saído da estrada e os trilhos pareciam se embaralhar, já não
saberia nem sentia vontade de voltar.
Os
raios cortavam o céu para, em seguida, se ouvirem os trovões. Ele sempre tivera
medo de trovões. A camisa estava amarrada na cabeça e o short jeans todo
encharcado era um peso a mais para carregar. Resolveu tirar o short. Colocou-o
dependurado numa árvore e seguiu caminho. Deixou também o chinelo. A terra
barrenta grudava e quase não o deixava seguir.
Dizem
que os pés descalços puxam os raios, assim como o peito à mostra. Mas, ele não
queria carregar peso. Agora se sentia mais leve, livre, embora com medo dos
barulhos que o céu fazia. A chuva tinha engrossado e já não enxergava quase
nada à sua frente, apenas um vulto que vinha crescendo, crescendo, parecendo um
cachorro, um cachorro bem grande. Não teve mais medo, apenas foi seguindo,
seguindo, seguindo...