Desde que o mundo
existe, existem os gatunos e larápios; mas, agora, a coisa desandou de vez.
Quando eu era criança, lá pelos finais de oitenta, até a adolescência, já na
década de noventa, os ladrões eram nossos conhecidos, por quem passávamos nas
poucas ruas da cidade e de quem, por ordens dos nossos pais e para o nosso bem,
mantínhamos alguma distância; mudando, por muitas vezes, o lado da rua, indo
passar em cima da outra calçada.
Eles roubavam galinhas,
maços de cigarro, pequenas quantias em dinheiro, que eram encontradas nas
gavetas dos botecos, enquanto o dono ia lá dentro tomar um cafezinho. Roubos
grandes, em casas de família, ou coisas de maior monta, ouviam-se falar que
aconteciam, ainda que de vez em quando, em Montes Claros, e, com maior frequência,
em Belo Horizonte.
Minha bicicleta, uma
Monareta oitenta e seis, que meu pai comprou já usada e que chegou em casa sem
freio, dormiu algumas vezes na porta de seu Estanísio, onde eu ia comprar sabão para minha mãe lavar
as roupas ou picolé para refrescarmos o calorão do mês de setembro; tendo
dormido muitas vezes também na porta de Edmundo, onde eu ia jogar fliperama
quase que diariamente, sem que nunca fosse roubada.
Hoje se roubam de tudo,
desde pirulitos de crianças indefesas até as grandes empresas nacionais. Aqueles
o fazem por safadeza, estes por falta de ética. Dizem que tudo isso é bem
diferente. Mas, sábado, e isto ouvi hoje pelo rádio, no Rio de Janeiro,
roubaram a muleta de dona Maria. Talvez ela nem se chame Maria e pode ser que
nem seja tão madura para ser chamada de dona. Acredito até que não precise usar
muleta por toda a vida, pois, assim espero, pode ser que esteja apenas com uma
das pernas quebradas após uma insossa queda de moto, quiçá, tenha sofrido um
escorregão vagabundo enquanto lavava a casa da patroa, uma rica senhora do
Arpoador. Mas isto não vem ao caso.
O que chama a atenção é
o fato de a pobre mulher, enquanto fazia o seu joguinho da Mega-Sena, numa das
tantas casas lotéricas cariocas, ter a sua muleta surrupiada, em plena luz do
dia, sem que nem mesmo uma câmera tenha filmado a cara do deliquente. Sábado,
realmente, não era o dia de sorte de dona Maria, que perdera a sua muleta e
ainda não ganhou na Mega. Mas, hoje, ainda no noticiário, ouvi que um cidadão
do Meyer resolvera doar para a pobre mulher uma muleta, que já não usa mais,
com a condição de que quando ela não mais precisar dela, que o devolva, para
que possa doar para outro necessitado.
Talvez, nesta tarde,
dona Maria tenha feito a sua fezinha, depois de ter buscado, na garupa de uma
moto, a muleta na casa do seu doador. Pode ser que acerte os números desta vez
e não precise mais trabalhar em casa de família. Quanto ao ladrão da muleta,
quem sabe ele tenha tomado um tombo, enquanto fugia com o objeto debaixo do
braço, e agora a esteja usando para se locomover de um boteco a outro pelas
ruas cariocas. Mas, tudo isto são apenas suposições e nada mais.