terça-feira, 26 de agosto de 2014

A VELHA DATILÓGRAFA

Foi a Kedma O’liver quem acordou as lembranças mais recônditas, quando perguntou no Face sobre quem ainda possuía o diploma de datilógrafo; daí, como quase sempre acontece, algumas recordações aguçaram-me a mente improba. Não tem jeito, sou mesmo um nostálgico inveterado, que ainda persiste na ideia de que ontem era bem melhor que hoje.

Li, por um destes dias, talvez nalguma rede social, que, acho eu, os alemães estão recrutando datilógrafos, a fim de fazer – ou refazer – alguns arquivos, como tentativa de fuga das espionagens estrangeiras, sobretudo, norte-americana. Daí, ver reforçada a minha tese de que antes era bem melhor que hoje. Tudo bem que aumentaram as nossas facilidades, mas, convenhamos, já não temos a paz, o romantismo, a inocência de outros tempos.

Na casa dos meus pais ainda existe uma máquina de datilografia. Hoje anda encostada a um canto de barraco, no fundo do quintal, junto às tralhas que meu pai não usa mais, mas que também não joga fora. Somos todos assim, afinal, o que não presta devemos conservar por, pelo menos sete anos (Alguém, um dia, disse isso. E a moda pegou). Mas, a velha máquina  foi o começo da minha “era tecnológica”.

Foi no pesado instrumento, colocado sobre a velha mesa de madeira, que comecei a teclar, ainda lentamente, o ASDFG das teclas que já caíam os botões. Depois, um pouco mais gabaritado, escrevi os meus primeiros textos, ainda rudes e sem lógica; que se resumiam a alguns poeminhas adolescentes e uma história louca de um menino que saía pelo mundo em busca de aventuras e sofria todas as desventuras de uma vida madrasta.


Depois, com o advento do computador, ainda com o DOS, de tela preta e letras brancas, a velha máquina foi deixada de lado. Sendo que apenas uma das minhas irmãs talvez tenha adquirido o seu diploma, haja vista que, por algum parco espaço de tempo, chegara a lecionar o curso em uma minúscula escola da cidade. Ficaram-nos as lembranças do tec-tec descompassado da velha máquina que, instantaneamente, cuspia as folhas, já escritas, em preto e/ ou vermelho, de acordo com as nossas necessidades, até que a fita embolasse, acabasse ou simplesmente secasse, como sempre acontecia. Como ainda acontece nas nossas vidinhas desregradas.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

TICO

Pipo foi o primeiro a pular. Antes que os outros chegássemos à margem, ele veio correndo e pulou dentro da água ainda fria daquela manhã. Depois foi o Ricardo e, por último, o Luís, o Tromba e eu. O Tico não pulou; sentou-se ao pé da velha árvore e ficou a nos olhar, com os olhos brilhando de inveja. Nós sabíamos que ele tinha medo da água e, por isso, sempre o incitávamos a pular.

- Pula, Tico!

- Não. Não estou com vontade. A água tá fria. Mãe falou pra eu não entrar...

- Você está é com medo! Nem sabe nadar e fica aí, fazendo de conta que nem se importa... Pula, então, e nada!

- Eu não quero. Se quisesse, entrava e saía lá do outro lado!

- Você está é mangando. Nem sabe nadar; fica aí todo encaguetado. Se soubesse, entrava!...

- Hoje não. Não trouxe meu calção; mas, amanhã nós voltamos e vocês vão ver: vou pular desse lado aqui e sair, num fôlego só, daquele lado de lá...

- Duvido, Tico. Você nunca que vai ter coragem! – E assim começava toda a zoeira do dia. Sempre íamos ao rio, e, sempre, era a mesma ladainha. Juro que tinha pena do amigo, mas, era estranho: como podia uma pessoa ir todos os dias ao rio e nunca ter aprendido nadar?!

E eu já estava em casa quando o Pipo chegara com a notícia: O Tico havia se afogado no rio, à tarde, pouco depois de termos ido embora. Disse que ele tinha ido a casa, pegado o seu calção e, sem que a mãe o visse, retornado. Ainda chegara à metade mais funda, mas, sentira alguma coisa, talvez um mal súbito, e não conseguira completar a travessia.

Lembro que a sua mãe chorava muito sobre o caixão. E ela dizia, entre prantos, que o filho sabia nadar. Ele sabia nadar como um peixe; mas estava ainda muito fraco dos pulmões; tudo por causa de uma bronquite asmática, que sempre o atacava.

E ela não conseguia aceitar que aquilo acontecesse bem no dia do seu aniversário. Eu não sabia, mas, o Tico era o mais novo de todos nós e, agora, também creio, era o mais corajoso dentre nós. O mais jovem corajoso... E eu sentindo pena do amigo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

VIDA QUE SEGUE

Faz algum tempo que não escrevo neste espaço, e, desde minha última Crônica, muita coisa tem acontecido: Viajei para Bom Jesus da Lapa, lugar de uma energia diferente, cheio de paz e orações; o Eduardo Campos morreu, para tristeza de alguns e alívio de outros (a vida é mesmo assim!); o Galo alternou maus e péssimos jogos, enquanto o Cruzeiro, ora bem, ora mais ou menos, vem mantendo a liderança no Nacional (com grandes riscos de, novamente, sagrar-se campeão brasileiro de futebol), mas, é vida que segue.

As eleições estão chegando, e, por enquanto, contentamo-nos em ouvir as “verdades eleitoreiras” do Horário Político. Da minha parte, já comungo de algumas convicções políticas, mas, nada impede que eu mude de ideia quando chegar a hora. Vejamos, primeiro, as plataformas, as ideias de cada um. O certo é que ainda não temos o candidato ideal, aquele que pensa o país de verdade, sem mentiras ou falsas ideologias; mas, esperemos, pois, quem sabe, um dia, nosso sonho se torne realidade.

O trágico desaparecimento de Eduardo Campos, certamente, trará novos fatos à política nacional. O brasileiro tem o coração mole e, em sua grande maioria, vota mais com o coração do que com a razão. Assim, Marina tem grandes chances de ir ao segundo turno eleitoral. Dilma e Aécio terão que rebolar para dar conta do recado. Enquanto isso, ideias conspiratórias são criadas. Dizem que a queda do avião não teria sido mero acidente. Acho que nem o tempo será capaz de dizer o que, de fato, aconteceu.

No futebol, estamos na mesma de sempre: O Cruzeiro líder do Brasileirão, enquanto o Galo se vira como pode, com um elenco limitado e um “Burro com sorte” no comando. Tudo ainda pode acontecer no certame nacional, haja vista que o time celeste não joga apenas contra os tradicionais adversários... Será que as instâncias superiores do nosso famigerado futebol permitirão que o time da Toca vença mais um Nacional?!

Por fim, restam-me as lembranças, com o Velho Chico quase seco, o calor abafado da Bahia, o calor humano dos baianos e o revertério que acometeu  grande parte dos romeiro na volta para casa. A cena era cômica, filosófica, mas, haverá de ser descrita em uma outra ocasião, afinal, a vida segue e tudo há de nos servir de lição. Abraços do poeta!

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A CRÔNICA QUE ME CHEGA

De uma coisa tenho certeza: a Crônica que escrevo não é um bem meu, até porque não sou eu quem a escrevo; ela se faz autonomamente, por si mesma, utilizando-se de mim para que se coloque neste espaço. E esta compreensão não me veio de hoje. Faz tempo que venho pondo reparo na situação. E descobri, a Crônica é pirracenta e só vem na hora que bem deseja.

E isso também acontece com as minhas poesias. Às vezes, tomado por uma imensa vontade de escrever alguma coisa, qualquer linha que seja, assento-me de frente ao computador e fico a espera de que a Crônica – ou a poesia – me chegue à mente, para que eu possa transmiti-la ao papel. Mas, incrivelmente, ela nunca chega. E, acredite, não adianta insistir, tentar, repetir, a inspiração teima em não vir.

Noutras vezes, porém, enquanto me ocupo com alguma outra tarefa, ou em momentos de distração, eis que a danada da inspiração me cai à mente como uma luva. E, que raiva, isto já me aconteceu até mesmo enquanto eu dormia o sono dos justos e, no meio de algum sonho, acordei com uma grande ideia. Não me levantei, por preguiça, tentando decorar a essência da ideia. Resultado: talvez eu tenha perdido a melhor ideia da minha vida.

Esta Crônica, por exemplo, não meio veio de qualquer pensamento predisposto. Contrariamente, veio-me enquanto me preparava para a confecção de um trabalho acadêmico; quando ajuntava todas as citações e tentava recordar as métricas e configurações. Eis que ela chega lentamente, senta-se do meu lado e teima em entrar na minha mente. Ainda tentei me controlar e ater-me somente no trabalho. Não tenho jeito, o literato ainda se sobrepõe ao escrevinhador e o resto é tudo isto que já leste, e nada mais.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

A BRIGA

“Você viu a briga de ontem?!”

“Vi não. Eu estava trabalhando.”

“Cara, você perdeu. O trem foi muito doido.”

“Ahn.”

“Não sei como começou. Eu estava chegando da rua, quando ouvi aquela barulheira toda. Não quis ficar perto, que era pra não sobrar pra mim. Entrei, me encostei no pé do muro e fiquei só na espreita”.

“Pois é”.

“Cara, a coisa foi violenta! Só sei que o cara chegou com uns papos de bêbado, meio que cambaleando, com a voz arrastada, falando mais alto do que devia. Depois, chamou a mulher para sentar junto de si no banquinho bem de frente aqui de casa. Ela não quis, mas o cara era muito insistente.”

“Estou com pressa; tenho que ir buscar a mulher no médico...”.

“Mas você não sabe o B.O. que a insistência deu, maluco! O namorado dela estava do lado, só escutando, ainda não tinha entrado na história. Foi aí que ele perguntou pro bêbado ‘O quê que você tá querendo com ela?! Você não vê que ela tá comigo?! É a minha namorada! ‘... Mas o bêbado não se fez de rogado e soltou a pérola ‘deixa de ser besta, moço; ela não é sua, ela é de todos nós’. E foi aí que o bicho pegou, bem no meio da rua!”

“Pois é, velho. Muito interessante a história, mas tenho que ir mesmo. Estou atrasado para buscar a mulher no médico. Ela deve estar estressada já. Depois a gente se fala”.

“Tá bom, então. Ah, dá um abraço nela por mim. E fala que desejo melhoras”.

“Mas ela não está doente, foi apenas acompanhar a irmã grávida, além do mais, que intimidade é esta, para ficar mandando abraços assim?!”

“Calma, irmão. Não seja tão egoísta, você sabe que ela não é só sua...”


E foi assim que tudo recomeçou.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

LEMBRANÇAS AGUSTINAS

O mês de agosto vem chegando, mas, o frio e o vento já estão por aqui faz algum tempo. E, com eles, vieram também algumas lembranças. A primeira delas são os rodamoinhos, para nós, crianças, ridimunhos, que começavam pelos lados da AABB e vinham descendo até as casas mais baixas. As crianças assobiávamos à beça, só para vê-los crescer, enquanto as mães ralhavam as nossas peraltices e ordenavam que fechássemos todas as portas e janelas. Até que, numa tarde de sol e vento, um ridimunho entrou na casa de uma vizinha, bagunçou as vasilhas e arrancou todas as telhas do casebre.

Eu já pensei em entrar com uma peneira dentro do ridimunho e pegar o saci que mora lá dentro. Diziam que ele virava um capetinha que, se colocado dentro de uma garrafa, realizaria todos os nossos desejos. Mas eu era medroso, e preferia ficar de longe assobiando, vendo a poeira tomar os céus da cidade, quase arrancando as roupas brancas no varal, naquelas tardes de vento, sol e muito frio. Desse jeito: poeticamente paradoxal.

Depois que os ridimunhos passavam, enquanto as mulheres, com cara de poucos amigos, retiravam as roupas, agora sujas, do varal, subíamos para as terras do Zé Lopes, onde soltávamos pipa, até que as mães se esgoelassem para que voltássemos às nossas casas, tomar banho, jantar e voltar para a rua, para brincarmos de Caiu-no-poço, pega-bandeira e esconde-esconde.

Nunca fui muito bom em soltar pipas. Por isso, quase sempre, arrumava as sacolinhas plásticas, as taliscas, comprava um rolo de linha, pedia ao Tinca que preparasse o brinquedo e, depois, admirado, punha-me a olhá-lo soltando a arara, fazendo-a subir até quase subir no céu e, depois, abruptamente, fazê-la cair vertiginosamente até quase tocar o chão, para, logo em seguida, subir de novo. E isso se repetia infinitamente, sem nunca perder o encanto.

Por aqueles lados já quase não existem ruas de terra, assim, os ridimunhos são raros e sem graça. Os meninos já não assobiam quando eles passam e, acredito eu, nenhum deles deve saber que ali dentro mora um saci. Já as pipas ainda sobrevivem; mas não possuem mais o encanto daqueles tempos. Definitivamente, já não existe mais aquele encanto de mês de agosto.

terça-feira, 29 de julho de 2014

RONALDINHO: TUDO UM DIA ACABA

Não se fala em outra coisa: Ronaldinho Gaúcho saiu do Galo. Depois de 754 dias, 88 jogos, 28 gols e 3 títulos, o Bruxo despediu-se da Massa Atleticana, para  a tristeza do meu amigo Milton Morais e vários outros alvinegros. Da minha parte, sou grato ao craque pela Libertadores, pelas belas jogadas e, principalmente, por ter elevado o nome do Galão a patamares inimagináveis, mas, estou certo, já era hora de partir. Afinal, tudo um dia acaba.

Não há dúvidas de que o nome do Gaúcho será sempre lembrado nas rodas de bate-papo atleticanas, pois que era ele o ídolo há tanto tempo desejado no clube. Mas, convenhamos, serão um milhão de reais mensais que, se bem aplicados, podem render bons frutos ao Atlético. Basta que a diretoria saiba empregá-los.

Também já fui jogador. Se bem que não tão bom como o Bruxo, se bem que não tão rico como ele, se bem que não no Atlético; mas, um dia, deixei de sê-lo, e o clube continuou por mais algum tempo. Joguei por mais de dez anos no Real Madri corjesuense.  E essa história todo mundo já sabe, ainda que com algum exagero, ainda que com alguma fantasia. Até que um dia pendurei as minhas chuteiras, sem novelas, sem homenagens, sem brigas judiciais, e seguimos, ambos, os nossos distintos caminhos.

Que o Ronaldinho siga a sua estrada. Que leve consigo o Assis e seja feliz em outra freguesia; mas que nos deixe as boas lembranças de um tempo em que o Atlético foi, de fato, o Campeão dos Campeões. Assim fizemos nós, ex-atletas do Real. Alguns ainda tentaram a vida futebolística em outros peladores, em outras agremiações “amadorescas”, mas, não adianta, nunca haverão de encontrar aquela magia de antigamente, quando o futebol era apenas uma brincadeira de velhos amigos.


O Kalil ainda deve uma estátua ao Bruxo alvinegro. O Real não me deve qualquer vintém. Ao contrário, devo eu, aos amigos do Madri, toda a gratidão por ter vivido tempos áureos, por ter sido tão feliz correndo por campos cheios de tocos, de lama, de terra; por ter sido um grande atleta, embora me faltassem a magia, os dribles, o encanto do Ronaldinho gaúcho; embora a nossa camisa não fosse tão pesada quanto a alvinegra, mas, sem dúvidas, tão eterna quanto. Tenho dito!

quarta-feira, 23 de julho de 2014

NA HORA DO CAFÉ

-Pronto.

-Alô. É o Elismar Santos?

- É ele.

- Pô, cara. Você é difícil de encontrar, hein, velho!

- Quem “tá” falando?

- O negócio é o seguinte... Sou seu fã de carteirinha. Tenho seus três livros e por causa deles decidi ser poeta também...

- Mas o negócio não é tão assim, assim...  Você escreve alguma coisa?

- (Uma pequena pausa) Não. Não escrevo nada. Mas, depois de você, qualquer um pode escrever qualquer coisa...

- Não entendi.

- Velho, quando um poema que diz “A pá lavra a terra/ em cujos sulcos/ ir-nos-emos/ um dia cultivar” é chamado de poesia, qualquer coisa pode ser vista assim também. Ou não?!

- Peraí! Quem “tá” falando?!

- O “Mutante” ainda foi bom, cara. Assim como nos “Senharó” você fez um bom trabalho. Mas, no terceiro, você deixou a peteca cair!

- Primeiro: os livros são “Mutação” e “Sanharó”. Segundo: a Crítica tem  elogiado bastante o “A Pá Lavra”. E, pra completar, eu não tenho que te dar qualquer explicação sobre eles. Se você quiser, escreva. Depois, veja se presta o que escrever, mas, me deixa em paz.

- Pô, velho! Ficou nervoso?! Apenas quis te dar uma crítica construtiva... O sucesso já subiu pra cabeça. Por isso não vira Best Sellers; por isso não vai pra Academia; por isso continua dando aulas de Português. Kkk...


- Tchau (e desliguei o telefone). 

terça-feira, 22 de julho de 2014

MARIA-DA-FACA

Dizem que Maria-da-Faca existiu de verdade. Morava no Sanharó e – isto era o que lhe dava o vulgo- andava sempre com dois facões na cintura. De praxe, era uma pessoa tranquila, mulher de hábitos simples e andar cabisbaixo. Muito respeitosa, não gastava de brincadeiras ou chacotas; mas, aceitava de bom grado algumas doses de conversa e um trago de pinga para esquentar o frio de mês de Julho, que sempre se fazia para ela.

Namorado, pelo que se sabe, nunca tivera. Se bem que naqueles tempos, no meio do mato, longe dos progressos urbanos, alguns viviam ainda como bichos e quase tudo era válido, sem que os outros tomassem conhecimento. Mas, é fato que Maria-das-Facas não gostasse de conversar sobre homens, nem com homens. Daí é que surgiram várias das muitas lendas sobre ela.

Dizem que certa feita, enquanto andava pela capoeira, a procura de garranchos para atiçar o fogo, Maria defrontou-se com um vaqueiro que, bêbado, cambaleava sobre um cavalo magricelo. De certo, estaria ele vindo de Zé de Cristino ou de Paulão. Era domingo, dia de missa, de jogo, de bebedeira. Ela havia ido à missa de manhã. Não quisera ver o jogo, nunca gostara de multidões. Preferira ir embora, cuidar dos bichos que ficaram no rancho.

O homem veio para o seu lado. Dera um cumprimento preguiçoso e começara a descer do cavalo. Maria, que o conhecia de uma fazenda próxima, não fizera qualquer menção de correr, mas, segurara firmemente uma das facas. O bêbado, cambaleante, com os olhos quase fechados, caminhava torto para o seu lado, conversando uma língua embolada, tropeçando nos tocos, fedendo a pinga com limão.

O sol já estava se pondo e Maria não havia achado muita coisa por ali. Antes tivesse ido embora, procuraria os garranchos mais perto do rancho e não teria que aguentar àquela aporrinhação. Com cara de nenhum amigo, ordenou que o abusado se afastasse, que pegasse o seu cavalo e partisse; mas o homem fizera-se de desentendido. Chegou-se junto dela e pôs a mão em seu ombro, já quase beijando a sua boca.

Maria sentiu um arrepio tomar todo o seu corpo. Nunca sentira um homem tão de perto, com todo aquele calor, aquele cheiro, aquele suor. Suas pernas tremeram, as mãos começaram a suar e um frio intenso começava a tomar conta da sua barriga. Mas, antes que se apaixonasse, quando ele já encostava o seu corpo no dela, com um abraço desajeitado, eis que a faca de Maria perfurou o seu bucho. E tudo começou a fazer sentido para ambos.


Maria guardou a faca, pegou o pouquinho de gravetos que achara e voltou para casa, enquanto o bêbado, estatelado no chão, rezava as orações que o padre havia ensinado de manhã. Dizem que o acharam, ainda vivo, na manhã seguinte, já com as formigas  passeando pelo corpo, enquanto Maria-da-Faca, banhava-se em água fria, só pra ver se abaixava o fogo.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

TODO POETA É UM SONHADOR


Meu amigo Fábio Gonçalves, lá em Água Boa, há de convir comigo: todo poeta é um sonhador, um pensador, um pulsador. Sonhamos acordados, criamos histórias imaginárias, vivemo-las solitariamente e, acredite, cremos, piamente, que tudo seja uma grande verdade. E talvez seja por isso que, como diz a minha irmãzinha Aleci, em Montes Claros, somos assim tão diferentes, tão poetas.

Quando menino, eu sonhava ser bancário, contar dinheiro, ter muito dinheiro, e, com ele, comprar carros, casas, a felicidade. Mas, faltava-me a Matemática, o pendor para as contas. Faltava-me a exatidão dos números; preferindo eu a humanidade das palavras, com suas interpretações, seus devaneios, suas ilusões.

Depois, adolescente apaixonado, sonhei ser locutor de rádio e ator de teatro. E corria o mundo, ainda que da minha imaginação, pelas ondas das grandes rádios, pelo brilho hipnotizante das peças teatrais, que eu mesmo criava em minha mente. Mas faltaram-me a voz, a eloquência e o despojamento dos grandes atores e locutores. Faltava-me o pendor para a comunicação, para o contato midiático. Preferia eu conversar solitariamente com as palavras, trancafiados nós numa mísera e branca folha de papel.


Ainda, em tempos de juventude, sonhei ser autor de algum best seller, escrever uma obra inesquecível, inestimável, inenarrável. Queria vender milhões de livros e ser lido por tanta gente, que minha alma não seria capaz de nem mesmo imaginar. Mas, novamente, faltou-me o pendor para o convencimento, para a eloquência, para a disciplina e a objetividade. Preferi, então, ser apenas um sonhador, sem grandes pretensões, sem colossais ilusões. Apenas um sonhador, numa cidadezinha pequena, numa casinha pequena, numa vizinha módica, como cabe a cada poeta, em todas as suas dimensões. Vivendo de sonhos e poesias, sem nada mais que lhe caiba nesta vida.

terça-feira, 15 de julho de 2014

O REAL MADRI

Em 2000 eu ainda jogava futebol. Quer dizer, corria atrás da bola e dava as minhas caneladas. Como sempre, brincava de futebolista no Real Madri; sempre sonhando em ser um grande jogador de futebol. Ficando mesmo nos sonhos. E, como passara por todas as posições do campo, eu já fora o Taffarel, o Gutemberg, o Paulo Roberto Prestes e, até mesmo, o Ronaldo Fenômeno. Depois, vieram a internet, a rádio, os problemas, e o futebol ficou apenas nas lembranças.

O Real treinava todos os dias, embora não tivesse um campo fixo. Às vezes íamos até o campinho do menon; às vezes detrás do parque, ou, então, brincávamos no Renovação, no Buriti ou no Diamante. Poucas eram as vezes em que jogávamos no Cecorje, o único estádio da cidade, gramado e com alguma estrutura.

Nos finais de semana íamos para os torneios, geralmente, nas roças e, na maioria das vezes, na comunidade Inhaúma, onde, certa feita, um dos rivais, chamando-me a um canto, veementemente, pediu:

- Elismar, fala com os meninos para não virem mais aqui. Todo domingo é a mesma coisa. E, além disso, já cansamos de ganhar de vocês. Vão jogar em outro lugar!

Não teve jeito. Voltamos mais algumas vezes. Ganhamos alguns troféus, mas, quase sempre saíamos goleados, e bêbados. O futebol não passava de uma mera desculpa para as farras. Jogávamos, corríamos, gritávamos, mas, principalmente, vivíamos a juventude através do futebol. E isto já nos bastava. Éramos felizes.

Certa feita, fomos jogar um torneio em São João da lagoa. Partimos de Coração na gaiola de um caminhão de transportar gado, com o cheiro de esterco tomando o nosso nariz e nossos corpos. Havia chovido naquela manhã de domingo e isso aumentava o odor que subia das tábuas soltas da carroceria.

Jogamos quase todo o primeiro tempo debaixo de chuva, com o Lêga e o, saudoso, Polveira, bicando todas as bolas de nossa área, enquanto eu, do meu cantinho na lateral, assistia atenciosamente ao jogo, a espera de uma bola para disparar ao ataque. E como sempre, corria, corria, corria, até perder a bola em linha de fundo. Era um dos mais velozes do time, mas não conseguia correr e pensar. Ou era um, ou outro.

A primeira etapa já estava por acabar e a chuvinha já havia se misturado ao suor, não sendo possível afirmar o que seria um ou outro. Até que o Fabrício, o nosso meio-campo mais habilidoso, que não jogara naquela manhã, porque estava ressacado da noite anterior, chegara até a beira do campo com uma garrafa de Coca-Cola, transbordando de cachaça. Aquele fora o fim da partida, não sobrara nenhum atleta em campo. Nem do nosso, nem do time adversário.

domingo, 13 de julho de 2014

O CASAMENTO DE GILDA

Talvez você nem se lembre mais da Gilda, por isso, leia o texto homônimo, do dia 16 de junho, neste blog. Pois bem, fiquei sabendo, por fonte segura que, talvez, a Gilda vá se casar. Fico feliz por ela, mas, sobretudo, fico feliz pelo seu felizardo. É verdade que nem o conheço, afinal, não o vi, apenas ouvi as suas lamúrias apaixonadas ao telefone, numa dessas noites frias de Junho. Mas, parece que o amor venceu a dor, e a Gilda irá se casar.

Enquanto escrevo estas linhas, fico imaginando o quão sofrido foi o caminho do nosso herói, até que a mocinha aceitasse o seu apaixonado pedido. Com parcos pertences, além de uma bicicleta e míseros vinte reais no bolso, ele a conquistara mais pela sua força de vontade, pela sua perseverança, pelo seu amor verdadeiro. E, certamente, viverão assim, apaixonados, até que a morte – ou algum outro valente cavalheiro apaixonado – os separe.

Por questões burocráticas, o casamento ainda não estaria marcado. Primeiro, deve-se dar entrada com os papéis no cartório; depois, esperar-se-á mais alguns dias, até que tudo fique pronto; e, depois, o principal... Que deveria ser antes, mas, acho que, tomado pelo mesmo torpor alcoólico da apaixonada noite junina, o nosso herói deve pedir à mão da sua amada.

De acordo com o meu interlocutor, o amante de Gilda estaria embriagado ao pedir as informações sobre o casório. Mas, isso é coisa de pouca monta, afinal, o amor é mesmo um entorpecente à alma e, convenhamos, entre a embriaguez do álcool e do amor não há qualquer diferença que valha. O mais importante é que ele a ama e, não menos, que ela bote fé nele. De resto, que falem as más línguas; que pensem o que quiserem, ele haverá de amá-la para sempre.


E assim, depois de casados, Gilda será levada para o seu rancho de amor, onde ambos viverão felizes para sempre. Ele cortando lenha, carpindo roças, aboiando gados alheios; ela lavando roupas, cozendo no fogão à lenha, cuidando dos filhos, que brincam felizes na terra barrenta do quintal. O litro de pinga tilintará a um canto da cozinha, à espera do anoitecer, quando as crianças dormirão e os dois, apaixonados e felizes, após um derradeiro trago da maldita, haverão de amar-se como há muito não se ouve dizer por estas bandas do norte. E serão felizes, como deveriam ser todos os casais enamorados.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

ROTINA

Ao longe, as folhas de bananeira balançam-se ao bel sabor do vento; um ou outro carro passa pela rua, enquanto o barulho de uma enxada arrasta-se no asfalto e alguns cachorros latem mais ao longe ainda. O sol nasce timidamente pelos lados da lagoa, enquanto o friozinho de Julho vem bater à janela, como se quisesse refrescara alma.

Os pássaros, nesta manhã, ainda não chegaram. O pato ainda dorme debaixo da goiabeira, enquanto os sonhos ainda povoam as casas vizinhas. Daqui a pouco, os sonhos irão embora, os bichos acordarão, os pássaros chegarão e, finalmente, a vida reiniciará.

Da janela, olho a rua e sua solidão.  Vez ou outra, uma alma penada desce a rua; um ou outro trabalhador segue para a roça; um ou outro sonho recolhe-se à sua insignificância. E quase todo o dia será assim. Mais tarde, abrirão-se os botecos, as mulheres farão o almoço, as crianças ligarão os aparelhos de TV. E tudo continuará como sempre fora, e será.

As mesmas músicas serão tocadas nos botecos; os mesmos assuntos serão retomados: os bêbados falarão sobre futebol, mulher, política; um, mais exaltado, mexerá com a mocinha, de bunda grande e seios fartos, que passará lentamente, talvez indo comprar o macarrão ou a carne para o almoço. Outro pedirá mais uma cerveja, uma branquinha pra esquentar o frio, um cigarro para espantar as muriçocas. E tudo continuará como sempre fora, e será.

Às nove, em ponto, um avião deixará um rastro de fumaça nos céus, e, cortando as nuvens, levará algum deputado para Brasília. Algum poeta ligará o rádio para ouvir as notícias da Capital, enquanto alguém soltará um grito de felicidade numa rua ao longe, e outro o ecoará até a outra rua, para que outros gritos se ecoem pela cidade, como se fossem os galos da manhã a tecerem a vida de sempre.


E assim, passarão os dias, até que a vida não mais exista; até que os sonhos se tornem lembranças e a única esperança que ainda exista seja a de que tudo, um dia, termine bem. Talvez os pássaros ainda continuem a cantar na goiabeira; talvez as folhas da bananeira continuem a ser balançadas pelo vento, e, quem sabe, talvez a menina, de bunda grande e seios fartos, já velha e solitária, ainda passe pela rua, a espera do bêbado, que não mais exista para cantá-la.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O PÁSSARO E A COPA

Hoje, um passarinho veio bater à minha porta. Ainda era de manhã quando ele chegou, assentou-se na caixa d’água e, comodamente, começou a bebericar a água que pingava da torneira. Era um pássaro de cor amarelada, com resquícios de verde em suas asas. Ao contrário da nossa seleção, não parecia machucado, debilitado ou abatido. Estava plácido, garboso, vívido.

Pensei em chegar junto dele, puxar assunto; quem sabe, falar sobre a Copa e o vexame do nosso selecionado. Mas, achei melhor recuar.  O pobre penoso não tem culpa das bobeiras do Felipão, das falhas do David, nem da eficiência alemã. Talvez ele nem saiba mesmo o que seja uma Copa do Mundo, com toda a sua emoção, suas surpresas, suas justiças ou injustiças. O que ele queria mesmo eram algumas gotículas de água e uma sombra fresca, onde pudesse descansar e, creio eu, replanejar o seu plano de voo.

Acredito que a nossa seleção também precise disso: um replanejamento. Deveríamos começar do zero, como se ainda não tivéssemos qualquer título, nem soubéssemos jogar futebol; porque, de fato, não sabemos, desaprendemos. Fizemos o caminho contrário dos nossos rivais, e, enquanto eles evoluíam, escolhemos a involução... futebolística, social, humana. Escolhemos retroceder. Mas o passarinho não tem nada haver com isso.

Não fui até o ilustre visitante. Tentei criar alguma poesia em minha alma, mas, ela já estava pronta. O pássaro era a poesia, concreta, bela, artisticamente bem disposta sobre a folha da vida. Enquanto poeta, sou péssimo em nomear bichos. Daí a minha ignorância sobre a que pássaro me refiro. Sei apenas que era belo e, despojadamente, me transmitia uma paz incomensurável.

Peguei o celular e, tirando uma foto, rapidamente mandei a sua imagem ao amigo Renato, um exímio conhecedor de pássaros, amante das motocicletas, do cruzeiro e de um bom churrasco. Ainda não recebi o parecer do amigo sobre a nomenclatura e os pormenores da ave; mas, confesso, ainda sinto a poesia que brotava das suas cores e, celeremente, fazia-me esquecer, ao menos por um instante, o vexatório deslize da nossa seleção, com Felipão e os seus pupilos.

terça-feira, 8 de julho de 2014

GRAÇAS A DEUS, UM VEXAME.

Ainda bem que o Brasil perdeu – e feio – para a Alemanha.  Antes do jogo eu preconizava um 2 a 1 para os germânicos. Nunca acharia que a vergonha seria tão grande, embora nunca acreditasse no hexa campeonato aqui no Brasil. Muitos, a partir de agora, criticarão esse ou aquele jogador. Não farei isso; afinal, há tempos, critico a nossa falta de futebol.

O nosso último lampejo futebolístico ocorreu em 1994, quando já não tínhamos o melhor time, mas, tínhamos jogadores habilidosos e uma programação preestabelecida, organizada, concreta. A verdade é que europeizaram o nosso futebol. E o pior, o estilo europeu dos anos 1990, com um jogo feio, sem técnica, sem qualquer lampejo de habilidade.

Há muito tempo, os nossos técnicos são apenas gaúchos. Nada contra tão belo estado, com povo valoroso e cheio de qualidades; mas, a escola futebolística do sul baseia-se em raça e vigor, enquanto a nossa história sempre empregara um futebol bonito, envolvente. E, pelo que tudo indica, o nosso próximo treinador será o “ofensivo” Tite. Ou seja, continuaremos nessa pindaíba.

Desde o final do ano passado, venho escrevendo em meus textos que o melhor seria pararmos o futebol brasileiro e começarmos do zero, da base, do ponto de partida. O único dos nossos clubes que vem apresentando um bom futebol é o Cruzeiro. Mas, que não nos iludamos, não é o melhor futebol do mundo. É apenas o nosso melhor futebol, o que temos no momento.

Não culpemos o Felipão, nem os jogadores. A culpa de tudo isso é da CBF e dos nossos dirigentes clubísticos, da lei Pelé e da nossa mídia. Nossos bons jogadores saem ainda cedo para a Europa ou para o Oriente Médio; os clubes deixaram de ser formadores de craques para formarem mercadorias, enquanto as grandes mídias endeusam jogadores medíocres, estrelas de fogo fátuo.

Esta foi a copa das estrelas, com jogadores e treinador preocupados em fazer propagandas de grandes marcas, como chuteiras, televisões, telefonias e outras empresas. Não jogamos futebol, apenas fizemos marketing e, graças aos deuses mais justos do futebol, perdemos para uma seleção que mostrou seriedade e objetividade. Muita coisa vai mudar, e que este seja o final de uma era de estrelas para que voltemos à era do nosso verdadeiro futebol.

Enfim a copa acabou. Voltemos à realidade, com nossos problemas e nossos sonhos. Que sejamos, pelo menos, capazes de votar conscientes nas próximas eleições. Tenho dito!

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O FUTEBOL DE ONTEM E HOJE

Você que é muito jovem talvez nem saiba, mas, o futebol naquela época não era coisa de homem. Era coisa de menino, de craques, com habilidade e malemolência. Não existiam os superatletas, que tanto abundam por aí. Havia, sim, os caras saudáveis, que aguentavam correr durante os 90 minutos, sem deixar cair o ritmo da partida. Mas os jogos não eram tão rápidos, nem tão violentos, nem tão feios. Eram plásticos, emocionantes, instigantes.

Na década de 90. Quando eu ainda era criança, o futebol já pensava em decair; mas, acredite, ainda existia beleza dentro das quatro linhas. Craques como Romário, Bebeto, Neto, Éder Aleixo, Ronaldinho, sabiam como tratar a redonda, com carinho, com respeito, com autoridade. E era assim que, todas as tardes, de sábado ou domingo, eu escutava, na voz de Willy Gonser, pelas ondas da Itatiaia, os jogos do Galo, com Taffarel, Márcio Santos, Paulo Roberto Prestes, Gutemberg, Doriva, Valdir Bigode... Enquanto corria, com uma bola de meia, todo o quintal da minha casa.

Durante a semana, brincávamos pelos campinhos de várzea da cidade, com bolas “dente de leite”, bolas de meia ou capotões, chutando tocos, pedras, areia e mato, sonhando em ser jogadores de futebol. Não pensávamos em ser fortes, bonitos, viris. Queríamos apenas jogar bola, driblar, dar uma caneta, um chapéu, um elástico. Sonhávamos em ser os donos do espetáculo.

De todos nós, nenhum chegou a qualquer grande clube de futebol. Jogamos, por muito tempo, em times de várzea, pelos campinhos da região: Real Madri, Manchester, União, Lion. Talvez o Fabrício pudesse ter sido um bom jogador; o Jélson era muito voluntarioso; o Tinca sempre fora um matador; o Bim tinha tudo para deslanchar... Mas ficamos com o amadorismo dos sonhos e a sabedoria de que tudo era uma grande brincadeira.


Você, que é muito jovem, talvez creia que o Neymar seja um dos nossos melhores jogadores de todos os tempos; que Cristiano Ronaldo seja um deus do futebol, que o Messi seja insuperável. Mas, acredite, o futebol não é mais o mesmo. Hoje temos máquinas jogando futebol, antigamente, tínhamos jogadores brincando com a bola nas quatros linhas. Não digo que estes ou aqueles sejam melhores ou piores, mas, tenho a certeza de que a magia do futebol, esta, há muito vem se perdendo, nas modernidades desta vida.

domingo, 6 de julho de 2014

O PAÍS DO FUTURO ESTÁ EM FÉRIAS

Faz algum tempo que não escrevo neste espaço. A verdade é que, devido aos inúmeros jogos da Copa e o período de férias escolares, as leituras e produções textuais têm ficado em segundo plano (o que não deveria acontecer!). Mas a vida prosseguiu neste ínterim, e muita coisa aconteceu. Alguns acontecimentos foram bons, outros nem tanto, mas, vida que segue, e pedras a quebrar.

Durante as férias, enquanto descansava da sala de aula, aproveitei para trabalhar como servente de pedreiro, em Coração de Jesus, quebrando pedras, malhando valas para a construção de um muro, pegando sol e falando sobre o futebol. E sobre isto, a descrença no selecionado brasileiro ainda persiste; afinal, o Brasil tem vencido os seus jogos, mas, ainda não me convenceu das suas reais intenções na Copa.

Na política, tenho visto e ouvido muita coisa. Ainda acho que muito do futuro político da Dilma dependerá do Brasil nos jogos. A Copa do Mundo tem esfriado o interesse dos brasileiros pela disputa presidencial. Ainda assim, creio que não temos o candidato ideal. Este não é a Dilma, nem o Aécio ou o Campos. Estamos mal de políticos.

Neymar fraturou uma vértebra e ficará por algum tempo sem jogar futebol. Perdemos o nosso maior craque e todo mundo ainda continua chocado com o acontecimento, chegando-se ao ponto, inaceitável, de ameaçar o colombiano de morte, chamando-o de assassino e outros insultos. Enquanto isso, em Belo Horizonte, um viaduto caiu, ferindo, matando pessoas, e nem mesmo uma CPI para investigar o caso foi aberta. Daqui a pouco ninguém se lembrará mais do acidente, mas, recordarão, cheios de ira, do “assassino” que tirou o menino Neymar da Copa.

Vejo que não perdi muita coisa nestas férias. Afinal, o Brasil continua o mesmo de sempre. Ainda vivemos a velha política do “Pão e Circo”, bastando-nos um pouco de comida à mesa e algumas festinhas para alegrar a nossa vida. Não sou tão pessimista quanto ao nosso futuro: creio que, mesmo sem o Ney, podemos conquistar o Hexacampeonato, assim como acredito que, algum dia, ainda que bem distante, teremos políticos honestos, cidadãos politizados e, quem sabe, um país melhor para todos. Daí, então, seremos o decantado “País do Futuro”.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

GILDA

O frio chegou de vez por estas bandas. Ao andar pela orla da lagoa, é possível sentir a brisa fria que arrepia a pele e esfria a alma do pobre mortal. Até por isso, tenho saído pouco de casa, preferindo um bom chocolate quente, um cobertor e os jogos da Copa do Mundo. Mas, não tem jeito, os fatos me procuram. E tenho que contá-los.

A noite caíra fria neste domingo, com um ventinho irritante vindo da lagoa. No quintal, apenas o pato observava a lua cheia, como que a espera do seu, sempre longe, grande amor. De repente, uma voz veio da rua, bêbada, trêmula, apaixonada, como que suplicando pela compaixão da mulher amada. E a amada se chamava Gilda.

Escorado junto à cerca, passei a observar a cena tragicômica: um pobre diabo, deitado na terra dura, falando ao celular. Do outro lado, Gilda, a mulher amada, devia estar sorrindo de tudo aquilo, ou, quem sabe, também chorava pela distância do seu amado. Talvez ela o quisesse também, mas, por causa de um pai insensível, de um marido irritante, não o pudesse amar. Mas ela o escutava, enquanto eu compadecia da sua dor.

- Gilda, você está me escutando?! – E a voz do homem, já embargada pelo amor e a bebida, continuava, sem reticências, como se o coração falasse por si.

- Eu vou te esperar, Gilda. Te espero até a meia-noite. Eu moro com você; te levo pro meu barraco. Eu te amo, Gilda...

A mulher parecia corresponder ao amor do seu Romeu; mas, talvez pelo frio que fazia àquela hora, ou por algum motivo de maior monta, resistia em encontrá-lo. Mas o herói não desistia, e continuava o seu discurso:

- Minha moto quebrou, Gilda. Eu tenho 22 reais e um bicicleta... E eu te amo, Gilda. Quero ficar com você, Gilda...Eu vou te esperar por meia hora, Gilda... Gilda, você está me escutando Gilda?...

A mulher ainda o escutava e, acredito eu, as lágrimas também desciam dos seus olhos, do outro lado da linha. Mas, Gilda era uma mulher comprometida, com filhos e animais para cuidar. Gilda não podia largar tudo e sair pelo mundo, ainda mais àquela hora, daquele jeito. Melhor mesmo que Gilda não viesse. Que ele ficasse ali, deitado no chão duro, tomado pela bebida e pela paixão platônica, à espera de Gilda e seus encantos, enquanto a lua o olhava lá de cima, fria, fria.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A COPA COMEÇOU!

Enquanto a nossa seleção sofria para bater os aplicados croatas, na abertura da Copa do Mundo, em São Paulo, o pau comia solto Brasil a fora. Os protestos não foram tão veementes como durante a Copa das Confederações, mas, chamaram a atenção da grande mídia. No estádio do Corinthians, a presidente foi vaiada com solidez, enquanto por todas as partes do mundo éramos o centro das atenções.

Não torci contra a seleção brasileira, mas, também não fiz questão que saísse vitoriosa do campo. Estava apostando em um zero a zero sofrido, e ela conseguiu vencer, graças à raça e á técnica do tão discutido Oscar. Neymar jogou bem, levou cartão, driblou, fez gols, e foi considerado o melhor em campo. Eu daria a láurea ao primeiro, ele foi mais completo que o nosso camisa dez.

Enquanto isso, pelas ruas do país, um pai pegava o filho mascarado pela orelha e o levava para casa; alguns repórteres se feriam nos confrontos entre a polícia e os manifestantes, e a Anistia Internacional já pensava em culpar a polícia pelos excessos cometidos contra os cidadãos do mundo. Sou a favor dos protestos, mas, sou contra os vandalismos cometidos e também acho que a polícia deve descer o sarrafo nos vândalos.

A torcida cantou, à capela, o hino nacional, levando o Neymar ao choro, e, em seguida, mandou a presidente às favas. E era uma torcida elitizada, com bons modos e algum dinheiro. Durante a partida, empurraram a seleção rumo á vitória, contando, sempre, com a ajudinha do juiz japonês, que mais parecia estar de olhos fechados, assim como tinham de estar os jornais internacionais.

A primeira vitória veio dentro das quatro linhas, com uma vitória não convincente, mas, importante para as pretensões de título. Nas ruas, ainda não dá pra se chegar a um veredito. Os protestos continuarão, e as reivindicações são muitas – e válidas -, não obstante, é preciso saber  se são mesmo protestos puros, feitos por pessoas de bem, com boas intenções, ou se são bagunças forjadas com  ambições políticas, como aconteceu em várias situações durante a Copa das Confederações.


Acho que também o meu amigo Arnaldo estaria confuso com toda esta balbúrdia. E, também ele não haveria de saber se torceria contra ou a favor do Brasil. Pois que o Arnaldo, assim como bem sabe a minha sua esposa, era um cara de valores patrióticos, mas, sobretudo, era uma pessoa de princípios, que torcia pela ordem e pelo progresso, custasse o que custasse. 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A NOSSA COPA

Hoje começa a Copa do Mundo, e, acredito eu, também a definição dos rumos políticos do Brasil.  Durante todo o primeiro semestre todos os holofotes foram direcionados, quase que exclusivamente, ao futebol, à seleção brasileira, ao Neymar, aos estádios. Está na hora de tirar a prova dos nove. Se o Brasil faturar o hexacampeonato tudo estará sob controle, caso contrário, muita coisa pode mudar.

Sou contra a vinculação da vida política aos campos de futebol; mas o Brasil é assim. A Copa do Mundo foi uma jogada política do, então, presidente Lula, a fim de demonstrar a força do nosso país no cenário mundial. E, ainda acredito, pode ser a derrocada do poder petista. Vide as pesquisas de intenção de voto: o tucano em ascensão, enquanto os petistas descem pela tabela.

Ainda não defini o meu voto, mas tenho objeções a todos os candidatos que estão sobre a mesa de votação. Acredito que ainda não tenhamos o candidato ideal, e, talvez, nunca o teremos. Afinal, este é o Brasil, com seus ajeitos e trejeitos. E o futebol dará o tom do caminho a ser seguido.

Os comandados de Felipão, Big Phill, Luís Felipe Scolari, têm plenas condições de vencer a Copa do Mundo no Brasil; não pela técnica privilegiada, que possuíamos em outras Copas, mas pelo equilíbrio do time dentro de campo, pelo apoio da torcida nas arquibancadas, pela obediência dos autômatos atletas. Mas, continuo acreditando, esta não será a Copa das Copas.

Faz tempo que o futebol não traz a magia de outras épocas. O que se vê em campo é um jogo de xadrez ensaiado exaustivamente, como que uma disputa computadorizada. Poucos são os craques, capazes de desequilibrar uma partida, como faziam Pelé, Garrincha, Maradona, Zico, Reinaldo. Contentamo-nos com os craques marqueteiros. Bons de bola, é verdade, mas rodeados de estrelismos, como Neymar e Cristiano Ronaldo. Talvez o Messi ainda seja o mais clássico dos craques da Copa, quiçá, o único.

Que comece o espetáculo e que o Brasil seja o grande campeão. Caso contrário, muitos se lembrarão dos trilhões de reais gastos na construção dos estádios, enquanto se poderia gastá-los em educação, saúde, criação de emprego, melhorias de infraestrutura e tantas outras benesses para os verdadeiros cidadãos brasileiros. Portanto, não há dúvida, não deveria ser assim, mas o nosso futuro político depende de Neymar, Hulk e companhia; os nossos “heróis”. 

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A VELHA

Sentada de frente à penteadeira, ela penteava os seus cabelos e lembrava-se de quando era jovem. Os cabelos, agora brancos, já foram negros, quase como as asas da graúna, assim como o seu coração já fora duro, como a mais dura rocha que se pode encontrar. E, enquanto se penteava, uma lágrima, solitária e preguiçosa, descia pelo seu resto, passeando pelas rugas de uma pele que antes fora a mais macia e cobiçada dentre todas as mocinhas de quinze anos.

E a sua lembrança veio à mente. Dos seus olhos tristes, em quando se separaram; do seu sorriso sem jeito; dos seus olhos cheios de lágrimas. Ela sorria, enquanto ele, cabisbaixo, descia a rua, com suas roupas dentro de uma velha sacola de supermercado.  Ela não o amava. Não com todo aquele ardor, não naquele momento. Depois, quando já não podia tê-lo, bateu a saudade, veio a dor. Veio a sensação de que aquele era o seu amor.

Ele já não existe. Vivera a vida, ainda que tristemente, buscando sonhos, iludindo-se pela vida a fora. Ela, sentada de frente à penteadeira, escovava os longos e lisos cabelos brancos, enquanto as lembranças povoavam a sua mente. Lembrava-se do seu corpo sobre o dela, das suas bocas se tocando, dos seus olhos brilhando, como se tudo aquilo fosse apenas um sonho eterno. Mas tudo se acabara.

A enfermeira viera buscá-la. Não disse qualquer palavra; deixou que a levassem para o banho de sol, naquela manhã fria de Julho. Numa árvore próxima, um passarinho parecia observá-la. E ela pode ver, os olhos dele eram tristes, como de alguém que tivesse amado e se desiludido; como de alguém que se jogara de cabeça e se machucara. De novo uma lágrima desceu dos seus olhos. Ela passou a mão sobre o seu rosto enrugado e pensou que nada daquilo valera a pena. Nada.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

JOAQUINZÃO

Não há quem não conheça o Joaquinzão, com seu andar encurvado, seu chapéu, e o eterno embornal do lado. Arrastando a perna, vai andando por toda a cidade, olhando as meninas, cumprimentando os homens, espantando os cachorros, com seu velho estilingue. Todo mundo gosta do Quinzão, menos os cachorros e os meninos serelepes, pois estes não gostam de ninguém e fazem troça com tudo.

O dia começa e Joaquinzão já está de pé. Prepara o café, liga o radinho velho e, sentado sobre o fogão de lenha, fica a observar o tempo, ainda frio, lá fora. Ele sabe que vai esquentar. Não conhece as letras e não tem folhinhas em casa. Mas sabe que é mês de maio, já quase chegando a vaquejada: faz frio de manhã; o sol esquenta à tarde; e o frio volta de noite.

Joaquinzão volta pra cama. O radinho ligado na cozinha; Jota Pinheiro tocando uma moda de viola. As lembranças povoam a mente do solitário homenzinho. Lembra-se da mãe, quando ainda era criança, pelos lados do Sanharó; dos irmãos que já se foram, todos cedo de mais; das vaquejadas em Coração, quando ia com Cirilão, descia na casa da irmã e rodava pela cidade.

Joaquim queria ir à vaquejada; mas, melhor ficar em casa. Ele sabe, já não é mais o rapaz de outros tempos. O radinho toca uma música antiga, tranquila, que o embala a mais um sono. Calixto dorme na casa ao lado, roncando alto, sonhando pouco. Apenas dorme, como se apenas isso lhe bastasse. Quinzão não pensa assim, queria viver a vida, sair pelo mundo, desvendar os horizontes. Mas o seu tempo passou; já não é mais um rapaz.

Suas pálpebras pesam. Tenta se manter acordado, aumenta o volume do radinho. Não adianta, o sono é mais forte e toma o seu corpo. Alguém lhe toca o ombro. Levanta-se sobressaltado. É Calixto com os seus remédios matinais; são tantos, que nem sabe mais para quê tomá-los. Toma-os apenas, como se fosse um eterno ritual.

Calixto volta à sua casa. Antes, desliga o radinho que descansa a um canto do velho e sujo fogão à lenha. Tio Joaquim adormece novamente; agora, sonhando com o Sanharó cheio e vovó cantando uma linda canção de ninar, enquanto, numa mangueira enorme, alguns pássaros cantam em sinfonia, como se acompanhassem a velha mãe.